Por: Karoline Cavalcante

Duas deputadas trans em guerra contra Trump

Erika Hilton pretende acionar Trump por transfobia | Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O viés conservador do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano) poderá gerar mais um incidente político e internacional. As deputadas federais Erika Hilton (Psol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), únicas parlamentares trans eleitas para o Congresso Nacional, denunciaram publicamente a emissão de vistos diplomáticos pelos Estados Unidos com o gênero masculino, em desacordo com seus documentos oficiais. As parlamentares acusam o governo norte-americano de adotar uma política transfóbica institucionalizada e anunciaram ações diplomáticas e jurídicas contra o país.

Na quarta-feira (17), Erika afirmou ter acionado o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e articula uma ação internacional contra Trump, responsabilizando-o diretamente por uma política “de transfobia de Estado” após a assinatura da Ordem Executiva 14168.

Ordem

A ordem, intitulada "Defendendo as Mulheres do Extremismo da Ideologia de Gênero e Restaurando a Verdade Biológica ao Governo Federal", foi emitida por Trump em 20 de janeiro de 2025, dia de sua segunda posse. O documento estabelece o reconhecimento exclusivo dos sexos masculino e feminino, considerados "imutáveis desde o nascimento", como diretriz oficial do governo federal americano.

Erika havia sido convidada para participar de uma conferência na Universidade de Harvard e no Instituto de Tecnologia de Massachusett (MIT, na sigla em inglês), onde palestraria no painel "Diversidade e Democracia" no dia 12 de abril. No entanto, optou por não comparecer após receber o visto com a designação de gênero masculina. "É transfobia de Estado. Trump transformou o governo americano em uma máquina de perseguição a minorias", declarou a deputada.

Ela também destacou que, em 2023, seu visto fora emitido corretamente, respeitando sua identidade de gênero, o que indica uma mudança diretamente relacionada à nova política do governo Trump. “O que me preocupa é um país estar ignorando documentos oficiais acerca da existência dos próprios cidadãos, e alterando-os conforme a narrativa e os desejos de retirada de direitos do presidente da vez. É uma política higienista e desumana que, além de atingir as pessoas trans, também desrespeita a soberania do governo brasileiro em emitir documentos que devem ser respeitados pela comunidade internacional”, afirmou Hilton.

Encontro

Interlocutores do Itamaraty informaram ao Correio da Manhã que receberam a demanda da parlamentar e estão em articulação para recebê-la assim que possível. O encontro deverá acontecer quando houver convergência de agenda com o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, e possíveis posicionamentos do governo brasileiro serão feitos a partir do resultado da reunião.

Também enfrentou problema semelhante ao tentar renovar seu visto, a deputada Duda Salabert. Convidada por uma organização internacional para um curso sobre desenvolvimento na primeira infância, em parceria com a Universidade de Harvard, Salabert teve sua identidade de gênero trocada no processo consular. “Desde então, temos tentado resolver o caso por vias diplomáticas, exigindo nada além do óbvio: respeito. Respeito à minha identidade, aos meus documentos oficiais — incluindo minha certidão de nascimento, que está no feminino. Essa situação é mais do que transfobia: é um desrespeito à soberania do Brasil e aos direitos humanos mais básicos", afirmou a parlamentar.

Salabert também demonstrou confiança na atuação do Itamaraty: “Esse ataque não é só contra mim e Erika Hilton. É uma afronta a todos os brasileiros e brasileiras que acreditam na dignidade, no reconhecimento e no direito de existir plenamente.”

Procurada, a embaixada dos Estados Unidos no Brasil afirmou que os registros de visto são confidenciais conforme a lei americana e que não comenta casos individuais. No entanto, confirmou que o país somente reconhece os sexos de nascimento. "A embaixada dos Estados Unidos informa que os registros de visto são confidenciais conforme a lei americana e, por política, não comentamos casos individuais. Ressaltamos também que, de acordo com a Ordem Executiva 14168, é política dos EUA reconhecer dois sexos, masculino e feminino, considerados imutáveis desde o nascimento", disse a nota.