Por: Karoline Cavalcante

Consórcio Nordeste gera novo desafio para governo Lula

Rui Costa presidia Consórcio Nordeste na época das irregularidades | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em busca de aumentar a sua popularidade, o governo federal tem esbarrado em uma série de situações delicadas no caminho. Com os desdobramentos do caso de supostos desvios financeiros envolvendo pagamentos do Consórcio Nordeste, o atual ministro da Casa Civil, Rui Costa — que à época presidia a autarquia — poderá ser um dos atingidos pelas apurações.

A Polícia Federal identificou indícios de que os R$ 48,7 milhões pagos, em 2020, pelo Consórcio Nordeste à empresa Hempcare Pharma Representações Ltda. — para a compra de 300 ventiladores pulmonares destinados ao combate à pandemia de covid-19, que nunca foram entregues — foram desviados por meio de uma rede de transferências bancárias para contas de pessoas e empresas sem relação com o contrato. As informações foram reveladas pelo portal UOL nesta segunda-feira (28).

De acordo com a investigação, a Hempcare, que foi fundada para distribuir medicamentos à base de canabidiol e nunca teve experiência na venda de equipamentos médicos, recebeu o valor de forma antecipada e, em menos de um mês (8 de abril a 20 de maio de 2020), esvaziou suas contas.

Os recursos públicos bancaram a compra de veículos de luxo, como um SUV Volkswagen Touareg (R$ 75 mil, em valores da época), um caminhão Mercedes-Benz Accelo 815 (R$ 176 mil) e um Mitsubishi ASX (R$ 76 mil). Além do pagamento de R$ 150 mil em faturas de cartão de crédito e até mensalidade escolar dos filhos de um dos investigados.

Delação

O detalhamento aponta que cerca de R$ 5 milhões passaram por empresas ligadas a setores imobiliários e financeiros, sem qualquer vínculo com a entrega dos respiradores. Um dos nomes citados no caso é o de Cleber Isaac, que se apresentou como amigo pessoal do então governador da Bahia, Rui Costa. Segundo delação premiada de Cristiana Taddeo, dona da Hempcare, Isaac e outro lobista, Fernando Galante, receberam juntos R$ 11 milhões em comissões.

Taddeo afirmou que o pagamento a esses intermediários foi decisivo para a agilidade na assinatura do contrato com o Consórcio. Em seu acordo de colaboração, a empresária devolveu R$ 10 milhões ao erário, o restante ainda não foi localizado.

O caso segue em apuração. Inicialmente sob responsabilidade da Justiça Federal da Bahia, o inquérito foi remetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) após mudança no entendimento sobre foro privilegiado. O ministro Og Fernandes será o relator da investigação.

Durante a pandemia de covid-19, as irregularidades na compra dos respiradores pelo Consórcio Nordeste foram tema de diversas reportagens do Correio da Manhã.

TCU

Na última quarta-feira (23), o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu não responsabilizar o ex-secretário-executivo do Consórcio Nordeste, Carlos Gabas, que autorizou o pagamento integral à empresa contratada para a compra dos respiradores, mesmo sem a apresentação de uma justificativa incontestável. Por cinco votos a três, os ministros absolveram Gabas e o então gerente-administrativo do Consórcio, Valderir Claudino de Souza.

A decisão contraria o parecer da área técnica e o do relator do caso, ministro Jorge Oliveira. A maioria dos integrantes da Corte acompanharam o voto do ministro Bruno Dantas, que defendeu a instauração de um processo administrativo somente à empresa Hempcare.

Ao Correio da Manhã, especialistas avaliaram o impacto do cenário. Embora Rui Costa não tenha sido citado pelas apurações já realizadas pelo TCU, o caso poderá colocar o governo federal em mais uma situação delicada se comprovado o seu envolvimento. Na avaliação do advogado e cientista político Melillo Dinis, não é possível qualquer condenação prévia, pois cabe à Corte de Contas apurar tudo com o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Porém, a “estação está puxada” e poderá servir de munição para políticos do campo oposicionista, que “não hesitarão em aumentar o desgaste”.

O argumento também foi defendido pelo cientista político André Rosa. Para ele, o combustível seria ainda mais forte considerando que a campanha do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), realizou duras críticas à gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), pela falta de respiradores durante a pandemia. “Por agora, não há nada. A partir do momento que citar o nome dele [Rui Costa] e tiver alguma comprovação nesse sentido, enfraquece bastante o discurso do Lula e deixa aí uma interrogação. Com certeza dificulta a vida do Planalto”, ponderou.