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A baianinha do 201

A vizinha do apartamento ao lado do meu era uma graça, uma gatinha e tinha um sorriso lindo, coisa de uns vinte anos de flor da idade. Vinha da Bahia. Eu a conheci no elevador do prédio quando ela tinha acabado de passear com seu pequeno cachorro na rua. Depois a cumprimentei noutras vezes pelo corredor, sempre linda e sorridente, de baixa estatura e já na promessa de uma mulher de arrepiar. Ela morava com o pai, que era músico, um jovem senhor um tanto bravio como pude perceber em algumas ocasiões de corredor.

Era a marca, a sina. Acabou que sempre conversávamos amenidades nos corredores e na portaria, até que um dia ela me convidou para entrar em sua casa. Um ritual que se repetiu a seguir por várias e várias vezes. Amenidades, pois. Passou a morar sozinha, o pai voltou para a Bahia e ela ficou por conta dos estudos acadêmicos.

Durante meses, conversamos e conversamos. Praticamos a mais nobre das especialidades cariocas, que é a saborosa conversa fiada. Quase sempre pedíamos pizza, falávamos de teatro e música, de cinema e muitos livros, de política e comportamento. Ela sonhava em ser escritora, eu não podia ajudar em tanto. E ríamos também.

Combinamos de ir ao CCBB, mas nunca fomos. Combinamos de ir a uma sessão no Odeon, nunca fomos. Ficamos de ver o mar lá em Copacabana e depois jantar no Amarelinho, nunca fomos. Ela ficou de me fazer uma massagem nas costas, mas sempre adiamos e não sei sequer o motivo.

Ficamos amigos, daqueles que se querem bem e gostam de estar perto. Vizinhos queridos.

Ela fazia faculdade, lia muito, estudava muito e foi ficando cada vez mais ocupada, mais ocupada, até que numa sexta-feira chuvosa pedimos uma pizza que sequer sabíamos ser a derradeira. Brindamos com coca-cola e as gargalhadas passaram de vez da conta.

Um belo dia ela parou de dar notícias e não a vi mais. Passou uma semana, outra e outra, até que nos vimos novamente no corredor. Naquele dia eu estava profundamente triste e falamos rapidamente, coisa de segundos. Não sei se ela percebeu minha tristeza.

Depois de um mês, o certo é que eu senti saudades daquela jovem e linda mulher, então fui procurá-la. Toquei a campainha e ninguém atendeu. Voltei na outra semana e fracassei. O silêncio do apartamento era um mau sinal.

Na terceira vez, uma outra garota bonita, loura, séria, mas diferente, atendeu a porta. Então perguntei pela baiana do sorriso lindo e ela me disse que não a conhecia, porque tinha acabado de mudar para o apartamento. Fiquei desapontado. A nova moradora pediu desculpas, licença e fechou a porta.

Segundos depois, quando coloquei a chave na fechadura da minha porta de casa, a vizinha atual reabriu novamente a sua e disparou a perguntar: "Oi, me desculpe a indelicadeza, mas qual é o seu nome mesmo? É que eu sou nova por aqui. Você me indica alguma pizza da região? Quer lanchar comigo? Muito prazer".

Então fui eu que abri minha porta e disse "Entra aqui!".

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