Ilustre até a última ponta
Novo canteiro de irreverência nas artes gráficas, 'Futum' oxigena a cena independente do quadrinho nacional ao debater o papel da cultura canábica
Por Rodrigo Fonseca
Prensada com ironia e apertada com irreverência, a erva da transcendência criativa autoral é a argamassa de "Futum", HQ que reúne nata do quadrinho underground brasileiro pra pôr na roda a pauta da cultura canábica, falando de maconha sem meias verdades nem fake news.
Sexta é a data oficial de lançamento desse coquetel de experimentações narrativas, espalhadas por 40 páginas impressas a quatro cores, em papel offset 90g, com capa de cartão triplex. Ela estará à venda no Circo Voador, em meio ao show do Planet Hemp. Vendas antecipadas estão sendo realizadas, pelo email gordoaranha.hq@gmail.com (que também é o pix pra compra).
"Cada autora/ autor teve liberdade total para produzir suas HQs", explica Daniel Paiva, um dos artistas do coletivo de criação da "Futum", autor de "Como Desenhar Uma Folha De Maconha". "No geral, falamos sobre o dia a dia do usuário comum. É um humor de comportamento dos maconheiros, sempre com crítica social à guerra as drogas e à hipocrisia geral", adianta.
Além, de Paiva, o primeiro número da "Futum" traz expressões autoralíssimas de bambas como Daniel Juca, Marco Donida, Kado, Johandson Resende e Zé Colméia, além de apostar num quadrinho 3D de Alice Pereira sobre iguarias e na antropomorfologia felina de Ana Alice Giovanaz. Soma-se a esse miolo um relato de iniciação canábica assinado por Tatiana Magioli.
"Quando editamos a 'Tarja Preta' em 2004, falar de maconha ainda era um tabu. A maioria das lojas ou bancas não nos aceitavam. Hoje em dia, o STF derrubou o crime de apologia às drogas e o debate da maconha já está sendo normalizado e grandes jornais já tem até colunas especializadas, mas sempre olhando pela via medicinal e econômica", diz o jornalista Matias Maxx, que escreve na "Futum" para embasar o conceito sociológico que ronda sua criação. "O nosso objetivo é trazer de volta o ponto de vista do usuário e sua relação cultural e social com esta flor de uso milenar. Num mundo cada vez mais conservador, que só abre espaço para a maconha quando ela está empacotada e comercializada para uso medicinal, é importante desmedicar a maconha. É importante regulamentar todos seus usos, pois é uma hipocrisia a gente ter o Caveirão invadindo a favela enquanto dezenas de remédios produzidos com maconha plantada no Canadá estão disponíveis nas farmácias a cifras impagáveis para a maioria da população".
No mix de artistas, Alice Pereira refina sua arte tridimensional em "Leitonha", uma trama com gosto de Toddy. Em depoimento ao Correio, ela nega que o quadrinho de humor tenha perdido seu lugar na ribalta da HQ brasileira. "Quem perdeu espaço foi o humor pobre, preconceituoso e sem criatividade que se baseava em zombar de minorias. Os ditos humoristas que dizem que não dá mais para fazer humor são pessoas preguiçosas, escoradas nas velhas fórmulas racistas, sexistas e homofóbicas. Se você abrir a revista 'Futum' só vai ler quadrinhos com humor inteligente, sem insultar as minorias", diz Alice.
Animador e agitador cultural, o cartunista Johandson Resende, representado na "Futum" com "E No Jardim Do Éden", defende a criação de veios alternativos para a venda de HQs que não se encaixam nos formatos econômicos vigentes. "Banca não rola pra gente porque precisa de uma grande tiragem, e o tema canábico pode gerar problemas jurídicos, como aconteceu com a 'Hemp Family', uma das revistas que originou a 'Futum'", diz Johandson. "A distribuição é feita no velho estilo udigrudi, de mão em mão, em eventos, como o que irá acontecer no dia 26 no circo voador, em shows, feiras, e principalmente a internet, que é fundamental nesse caso".