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Mais e melhores BDs

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Fãs incondicionais de "...E O Vento Levou" (1939), um dos maios clássicos do audiovisual de toda a História, com o Oscar de Melhor Filme e mais sete estatuetas no currículo, podem até ficar magoado com o quadrinista Pierre Alary pela versão quadrinizada que ele fez de Scarlett O'Hara e de Rhett Butler, sem se preocupar em copiar as feições de Vivien Leigh e Clark Gable. Mas um fato é incontestável: o gibi "Gone With The Wind" virou um fenômeno editorial na França. Publicado pela Ed. Rue de Sevres, o álbum gráfico é uma releitura do romance de 1936 que rendeu à autora Margaret Mitchell (1900-1949) um cheque de US$ 50 mil pelos direitos autorais de sua adaptação para o cinema. Ao ver o tanto que o filme de Victor Fleming (George Cukor e Sam Wood foram seus codiretores) estava arrecadando nas bilheterias (US$ 402 milhões), o produtor David O. Selznick deu mais US$ 50 mil à escritora, envergonhado de ter pago tão pouco por um fenômeno que hoje se repete nas HQs, ou melhor, nas BDs. Banda Desenhada é o nome que se usa no Velho Mundo pra definir álbuns gráficos em quadrinhos, de luxo, em capa dura, que optam por narrativas de gênero (fantasia, sci-fi, faroeste) ou por aulas de História (cheias de poesia) mas trilham caminhos que fogem do maniqueísmo. Nos EUA, quem dá as cartas nesse mercado é a Marvel e a DC. Mas, na França, quem gira a roda são tramas adultas, calcadas em temas políticos, que dissecam mitos e biografam artistas. Há um debate forte acerca da representação da escravidão na graphic novel de Alary, embora ela seja rasgadamente crítica à intolerância racial, buscando eliminar os ranços que o livro ainda preservava na forma de tratar as populações negras. Esse debate só torna o álbum mais atrativo às vendas. Eis as BDs mais procuradas da atualidade.

SCOTLAND (Les Missions Fantastiques de Kathy Austin): Luiz Eduardo de Oliveira, desenhista carioca que saiu do Brasil em 1971, para fazer carreira na França, sob o pseudônimo LEO, é um dos craques do time de artistas deste quadrinho de investigação e mistério, soltando sua verce crítica (e criativa) ao lado de Rodolphe e Bertrand Marchal. O trio conta a aventura da agente Kathy, que, de volta de uma passagem pela Amazônia, vai passar uma temporada numa cidade escocesa onde um artefato encrustado numa pedra pode gerar uma perigosa onda de energia.

QUENTIN PAR TARANTINO: O quadrinista Amazing Ameiane repete com o diretor de "Pulp Fiction" (Palma de Ouro de 1994) o mesmo procedimento que fez com Martin Scorsese e promove uma espécie de biografia quadrinizada, unindo fatos reais da vida do cineasta com elementos de seus filmes.

NERO: Emiliano Mammucari, um dos mais talentosos artistas gráficos da Europa, usa seu desenho realista para recriar o período das Cruzadas, narrando a união inesperada de um guerreiro árabe amaldiçoado com um cavaleiro do Ocidente, em prol da destruição de uma força das trevas, o Djinn do Fogo. Lembra o filme "O Feitiço de Áquila". As sequências de luta são arrebatadoras.

DISSIDENT CLUB - CHRONIQUE D'UM JOURNALISTE PAKISTANAIS EXILE EM FRANCE: Uma joia de narrativa política. Em 2018, depois de ser vítima de uma tentativa de sequestro e assassinato em seu país natal, o jornalista investigativo Taha Siddiqui encontrou refúgio na França. Nesta graphic novel, acompanhada pelo quadrinista Hubert Maury, ele relembra sua juventude, sua carreira e sua luta pela liberdade de imprensa.

GINETTE KOLINKA - RÉCIT D'UNE RESCAPÉE D'AUSCHWITZ-BIRKENAU: Aos 97 anos, uma das mais famosas sobreviventes dos expurgos nazistas de judeus em campos de concentração tem sua história passada em revista, em forma de HQ (ou melhor, BD), no traço finíssimo de Aurore D'Hondt. Numa mirada memorialista, ela encara os horrores do Holocausto.

METAL INCAL: Concebida pelo cineasta e tarólogo franco-chileno Alejandro Jodorowski (diretor de "El Topo") e pelo quadrinista Jean "Moebius" Giraud (1938-2012), a saga sci-fi de fantasia e lisergia "O Incal" nasceu em dezembro de 1980 na revista em quadrinhos "Métal Hurlant" e seus seis álbuns foram publicados entre 1981 e 1988 pela Les Humanoïdes Associés com o título "Uma Aventura de John Difool". O que os quadrinistas Yanick Paquette e Mark Russell nos dão agora é uma espécie de narrativa de formação desse universo lisérgico. Nela, John DiFool e o ET canino Tête de Chien precisam impedir a destruição de sua realidade.

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