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'Uma parte de nós é irredutivelmente solitária'

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Sem alarde, no sapatinho, grandes grifes do mercado editorial brasileiro começam a contagiar as prateleiras das grandes livrarias (inclusive aquelas de funcionamento online, vide Amazon) com uma coqueluche das HQs europeias chamada Cyril Pedrosa. "Três Sombras" saiu pela Cia das Letras e (o brilhante) "A Idade de Ouro", criado por ele em dupla com Roxanne Moreil, acaba de sair aqui, em dois volumes, pela Nemo. Espanta só o fato de a obra-prima desse quadrinista francês de 50 anos, o álbum gráfico "Portugal", só estar disponível pra venda por aqui em sua edição inglesa. Profissional da indústria de animação na década de 1990, quando trabalhou pra Disney em desenhos como "Hércules" (1997), Pedrosa fez sua estreia nas BDs, o termo francês para Banda Desenhada (ou quadrinho) em 2006, com "Les Coeurs Solitaires". Na sequência, ele emplacou um sucesso atrás do outro, consagrando-se como um dos desenhistas de maior prestígio da Europa na atualidade. Na entrevista a seguir, ele fala ao Correio da Manhã sobre a estética que consolida a cada nova graphic novel.

Percebe-se uma sensação de solidão que frequentemente permeia suas histórias e personagens. O que é essa solidão e o que ela reflete sobre o estado atual da Europa? Como o retrato da infância em "Três Sombras" é mediado por essa solidão?

Cyril Pedrosa - É verdade que a solidão está bastante presente em minhas histórias, é até mesmo o tema principal de um de meus livros, "Les Équinoxes". Não acho que ela reflita o estado atual da Europa, mas, sim, uma das características estranhas da experiência humana. Apesar de nossa necessidade de outras pessoas, o que nos torna animais sociais, parece-me que há uma parte de nós que é irredutivelmente solitária, algo em nós que é impossível de ser compartilhado. Em "Três Sombras", isso é evocado não tanto no retrato da infância, mas no retrato do pai, sozinho no mundo, com o terrível medo de que seu filho seja levado para longe dele.

Qual é o mercado atual para artistas de quadrinhos na França e em Portugal, e que estética parece dominar esse segmento da indústria cultural? Até que ponto você se envolve com essa estética e até que ponto você a evita? Até que ponto o boom de filmes baseados em quadrinhos americanos ampliou a economia do seu mundo de trabalho?

Não posso falar muito sobre o mundo dos quadrinhos nos países de língua portuguesa, sobre os quais, infelizmente, sei muito pouco. Na França, os quadrinhos são uma parte importante da indústria cultural, com uma grande variedade de propostas estéticas, e não tenho a impressão de que uma estética específica domine. Há, é claro, tendências gráficas, mas me sinto bastante livre para segui-las. Minha abordagem não é realmente tentar me encaixar em uma dessas estéticas ou evitá-las, mas, sim, tentar encontrar em cada livro a forma certa que a história precisa. De certa forma, desse ponto de vista, todas as estéticas podem me influenciar, inclusive alguns autores americanos. Por outro lado, não gosto muito de adaptações de filmes de quadrinhos.

Que conceitos orientam sua relação com a cor e de que forma sua dramaturgia, em seus diálogos, conversa com a literatura ou o teatro na maneira como você escreve?

Tenho uma abordagem muito instintiva em relação à cor, da qual muitas vezes me arrependo, pois preferiria ter um domínio técnico mais sólido, ser mais preciso e inventivo. Mas, digamos que tento fazer com que a cor faça parte da narrativa e da expressividade, procurando cores que sejam mais emocionais do que ilustrativas. Infelizmente, leio e vejo muito pouco teatro, mas, de modo geral, a literatura é, obviamente, um meio que me alimenta muito, embora não tenha necessariamente uma ligação direta com meu processo de escrita de roteiros e diálogos. Com exceção de "Equinoxes", em que fui muito influenciado por "Waves", de Virginia Woolf, a literatura alimenta minha imaginação. De modo geral, a inventividade, o talento e a sensibilidade dos artistas em todos os campos me parecem inestimáveis em nível pessoal, mas também necessários para enriquecer meu trabalho, para ir além, ser mais sutil, encontrar novas formas, correr riscos e recarregar minhas baterias.

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