Por: Nathan Fernandes
Em sua estreia no cinema, o LSD não desperta sentimentos muito agradáveis no público. No filme "Força Diabólica", um terror de baixo orçamento de 1959, o psicodélico figura como uma substância usada para causar medo incontrolável, mostrando o ator Vincent Price lidando com a primeira bad trip da sétima arte.
Pudera, o termo "psicodélico" -algo como "manifestação da mente", em grego- tinha sido cunhado só dois anos antes pelo psiquiatra britânico Humphry Osmond. O movimento hippie estava em gestação, e ainda estava em alta o discurso de que essas substâncias –que ganharam evidência na década de 1940– reproduziam as alucinações típicas de quadros de esquizofrenia, o que se mostrou incorreto.
Da mesma forma, associar experiências do tipo com a perda da sanidade deixou marcas que podem ser vistas até hoje, com o atual renascimento do interesse pelos psicodélicos.
Depois de serem proibidos em 1971, esses alteradores de consciência voltaram aos holofotes da ciência, em meados dos anos 2000, para o tratamento de transtornos mentais.
No ano que vem, os Estados Unidos devem liberar o uso do MDMA, ou ecstasy, para o tratamento de transtorno de estresse pós-traumático. E o Brasil é vanguarda nos estudos que investigam o potencial da ayahuasca no tratamento de pessoas com depressão severa.
Nos últimos anos, esse interesse científico parece ter transbordado dos laboratórios e invadido o cenário cultural.
A exemplo da bad trip de Vincent Price, muitas obras atuais de ficção também representam os psicodélicos de forma sinistra. Em filmes como "Clímax", de Gaspar Noé, e "Midsommar", de Ari Aster, o uso de substâncias psicoativas termina em dor e angústia. Na série "Ratched", da Netflix, uma overdose de LSD por engano acaba em cenas explícitas de mutilação.
Nada, no entanto, ofende mais a ciência do que a sucessão de erros técnicos cometidos por "Nove Desconhecidos", da Amazon Prime Video. Na série, que traz uma versão élfica de Nicole Kidman, um retiro de bem-estar é usado como pano de fundo para um drama que envolve práticas disparatadas, como o tratamento surpresa com psicodélicos.
"Acho que o mesmo equilíbrio que precisamos ter na ciência psicodélica para não vender ilusões, também é preciso ter nas produções culturais para que não se faça um retrato impreciso, mentiroso e potencialmente danoso dos psicodélicos", aponta o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, coordenador do Interdisciplinary Cooperation for Ayahuasca Research and Outreach, ou Icaro, da Universidade Estadual de Campinas, sugerindo que o problema da série poderia ser resolvido se, no lugar de psicodélicos conhecidos, os roteiristas optassem por substâncias fictícias, a exemplo do brasileiro "Bacurau".
As obras de não ficção da Netflix parecem mais atentas aos avanços no campo. Em animações como "The Midnight Gospel", que é baseada em um podcast, as discussões sobre o uso de substâncias transcendem o proibicionismo, assim como nos documentários históricos "Wormwood" e "Baseado em Fatos Raciais".
Outras obras como "Maior Viagem" e "Explicando a Mente" também oferecem visões que confrontam o senso comum sobre drogas.
E, se na década de 1950, o lançamento do ensaio "As Portas da Percepção", do já então renomado escritor Aldous Huxley, ajudou a dissolver o constrangimento de intelectuais em tratar dos psicodélicos na literatura, nos últimos anos, o lançamento do best-seller "Como Mudar Sua Mente", do jornalista Michael Pollan, em 2018, parece ter aberto o caminho do interesse das editoras por obras do tipo.
No país, refletem isso os lançamentos de trabalhos como "História Social do LSD no Brasil", do jornalista e historiador Júlio Delmanto, em 2020; "Psiconautas", do jornalista Marcelo Leite (que mantém neste jornal o blog Virada Psicodélica), em 2021; e o clássico "A Experiência Psicodélica", do guru da psicodelia americana Timothy Leary, em 2022; além de "Psicodélicos", do jornalista Carlos Minuano, com previsão de lançamento para este ano pela editora Fósforo.
"Acho que não só meu livro mas minhas pesquisas desde que comecei a estudar políticas de drogas e proibicionismo, a partir de 2009, são parte desse cenário de avanço no debate sobre o tema, no Brasil e no mundo", acredita Júlio Delmanto. "Por mais que as leis não tenham mudado aqui, a mentalidade social já mudou bastante, mesmo que não de forma majoritária –isso também se reflete nas produções acadêmicas, em seu financiamento e recepção pelo público em geral."
Além das pesquisas, outros fatores parecem influenciar esse aumento de interesse. De acordo com o antropólogo Michel Alcoforado, sócio-fundador do Grupo Consumoteca, o uso dessas substâncias se encaixa no conceito de "wellness", tendência que ganhou impulso com a pandemia, ao alinhar a ideia de mente e corpo saudáveis.
As dimensões políticas e espirituais, associadas às discussões sobre o proibicionismo e a valorização dos saberes indígenas, também ajudam a inserir os psicodélicos de forma confortável no contexto atual.
O antropólogo alerta, no entanto, para a apropriação de práticas tradicionais, como o uso da ayahuasca, pelo neoliberalismo. "Antes de o celular se tornar um objeto essencial, muita gente falava o que ele poderia fazer", recorda.
"Tudo isso requer uma produção de discurso para virar um hábito dentro da sociedade. Não quer dizer que os psicodélicos não funcionem. Mas muito do sucesso de algo vem da produção de um lugar para esse tipo de consumo."
Além das produções culturais, as redes sociais também exercem um fator fundamental.
"Quando pessoas interessadas em bem-estar demonstram um breve interesse em psicodélicos no TikTok, por exemplo, o app continuará fornecendo conteúdo sobre o assunto", aponta Joe McDonnell, da empresa de tendências e comportamento WGSN.
Em março, McDonnell falou no festival South by Southwest, um dos maiores eventos de inovação do mundo, que, neste ano, trouxe 11 painéis de discussão sobre psicodélicos.
"O que antes era um tabu agora está sendo discutido online pelos jovens, e várias barreiras vêm sendo derrubadas. Esse processo coincide com o aumento das pesquisas e com o crescimento geral do mercado dessas substâncias, que deve atingir US$ 10,75 bilhões até 2027. Os psicodélicos definitivamente vieram para ficar", aponta McDonnell.
Parece que aquilo que começou com uma bad trip de baixo orçamento revela ser, cada vez mais, um sucesso de público.