Por: Karoline Cavalcante

E agora, Lula? Venezuela não divulgará as atas

Decisão de não divulgar as atas deixa Lula numa posição delicada | Foto: Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil

O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela confirmou nesta quinta-feira (22), a vitória do presidente Nicolás Maduro na eleição presidencial do dia 28 de julho, para o mandato de 2025 a 2031. O TSJ decidiu proibir a divulgação das atas eleitorais, documentos fundamentais que detalham os números de cada centro de votação e são essenciais para a verificação e confirmação dos resultados do pleito.

Tal situação deixará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governo brasileiro numa situação delicada. Lula tinha condicionado o reconhecimento da vitória de Maduro, de quem é aliado histórico, á divulgação das atas. Chegou a articular no plano internacional uma pressão nesse sentido, junto com a Colõmbia e com o México. Agora, Lula terá que avaliar o que fazer diante da posição oficial do país vizinho de que as atas que comprovariam o resultado nao serão divulgadas.

A Sala Eleitoral do tribunal do país emitiu uma decisão para que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) publique os resultados finais da recente eleição no Diário Oficial da Venezuela. Este desdobramento segue um episódio significativo de adversidade enfrentado pelo órgão, que sofreu um ataque cibernético durante o período eleitoral, complicando a divulgação e processamento das informações essenciais para a conclusão oficial do pleito. Em conformidade com o artigo 155 da Lei Orgânica dos Processos Eleitorais, o CNE tem até o dia 30 de agosto para assegurar a publicação oficial dos resultados finais.

A presidente da Suprema Corte venezuelana, Caryslia Rodriguez, afirmou que o tribunal revisou os documentos da autoridade eleitoral e está de acordo com a vitória de Maduro, acrescentando que a decisão não cabe recurso. “Certificado de forma inapelável o material eleitoral peritado e esta Sala convalida os resultados da eleição de 28 de julho de 2024 emitidos pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), onde resultou a eleição do cidadão Nicolás Maduro Moros como presidente”, afirmou Rodriguez.

Oposição

O atraso na publicação dos resultados eleitorais gerou um aumento significativo na desconfiança, tanto dentro quanto fora da Venezuela. Historicamente, o protocolo estabelecido permitia que fossem disponibilizados online em poucas horas após a proclamação oficial do vencedor.

O principal opositor de Maduro, Edmundo González publicou online uma pesquisa em que afirma ter recebido 83% das apurações das urnas eletrônicas, enquanto Maduro ficou com 67% dos votos. “Senhores do TSJ: Nenhuma decisão substituirá a soberania popular. O país e o mundo conhecem a sua parcialidade e, portanto, a sua incapacidade para resolver o conflito; Sua decisão só agravará a crise. Nós, venezuelanos, não estamos dispostos a abrir mão da nossa liberdade ou do nosso direito de mudar em paz para viver melhor”, disse González

Outros países

A Organização dos Estados Americanos (OEA), os Estados Unidos e a União Europeia não reconhecem o resultado. Durante audiência pública da Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, realizada no dia 15 de agosto, o assessor-chefe especial da Presidência da República, Celso Amorim, afirmou que o governo brasileiro só reconheceria o resultado da votação após a publicação das atas com a totalidade dos votos para cada candidato e reforçou a impaciência do presidente Lula com o tema.

“Já está muito clara a impaciência do presidente Lula com relação à demora das atas. Isso é evidentemente uma preocupação. Estamos chegando a um ponto em que é preciso sentir uma evolução real. Tenho dito isso e repetido. O presidente Lula já disse. O Brasil não reconhecerá um presidente que não esteja fundado nas atas”, afirmou o diplomata.

A advogada especialista em direito internacional, Hanna Gomes, analisou a situação do país vizinho e explicou que o Brasil ficará comprometido nesta relação, devido às declarações anteriores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“O TSJ da Venezuela, há muito tempo, é considerado um tribunal sem imparcialidade e independência, o que atrai a dúvida internacional sobre a credibilidade da sentença publicada. Ao que parece, a oposição continuará fomentando uma intervenção internacional do país, exigindo apoio para elucidar as circunstâncias e o resultado da eleição”, iniciou Gomes. Nesse cenário, o Brasil fica comprometido com sua declaração anterior, quando afirmou que só reconheceria a vitória de Maduro com a publicidade das atas. Dessa forma, o país, e principalmente o Presidente Lula, ficam numa situação sensível, entre opor-se à Venezuela e à Maduro, propriamente, ou deixar de atender e seguir a tendência da comunidade internacional, que demanda maior transparência no resultado”, finalizou.

O cientista político Kleber Carrilho também fez um panorama sobre o assunto. “Essa é uma situação muito complicada porque houve uma tentativa de negociação por parte do governo brasileiro. Essa negociação não aconteceu da melhor forma e acabou demonstrando uma fragilidade da capacidade do presidente Lula de entender como ele deveria se posicionar pensando em públicos internos, na população, nos eleitores. Isso é um problema muito grave. Agora fica muito complicado pro ambiente internacional”, iniciou Carrilho.

“A gente fica esperando os próximos passos porque se houver um reconhecimento do Maduro ou pelo menos uma tranquilidade pelo governo americano, por exemplo, que às vezes mostra uma certa intenção de se aproximar da Venezuela interessado no petróleo e em outras questões geopolíticas vai ficar muito complicado pro governo Lula. Ter uma uma reação não tão intempestiva com essa declaração da vitória do Maduro o Lula vai ficar uma persona non grata para Venezuela pelo fato de ter colocado em dúvida e ao mesmo tempo vai perder essa capacidade de liderança regional”, explicou.