Por: Fernando Molica

Hoje, Jeannie e Samantha seriam banidas

"Jeannie", personagem interpretada por Barbara Eden | Foto: Reprodução

Uma foto mais ou menos atual da atriz Barbara Eden, hoje com 93 anos, protagonista de "Jeannie é um gênio" disparou uma certeza: o ótimo seriado e outro igualmente delicioso, "A feiticeira", passariam por muitas dificuldades hoje.

O moralismo e o fanatismo religioso atuais implicariam com o fato de uma linda jovem, solteira, usar roupas sensuais e viver com outro desimpedido, militar ligado ao programa espacial americano, o major Nelson (Larry Hagman).

Como o diz o título brasileiro da série, a moça é um gênio, detém poderes mágicos, algo que, para muitos evangélicos de viés pentecostal e neopentecostal seria identificado como manifestação demoníaca. A mesma classificação serviria para Samantha Stephens (Elizabeth Montgomery), de "A feiticeira". 

A divertida dona de casa era reprimida pelo marido, o publicitário James (Dick York e, depois, Dick Sargent), que tentava impedi-la de usar sua magia. Mas era inevitável que ela torcesse literalmente o nariz para acionar seus poderes e resolver problemas. A série foi tão popular entre nós que o nome da filha do casal, Tabatha, passou a ser usado para batizar muitas brasileiras.

Escrita pelo romancista best-seller Sidney Sheldon, "Jeannie" foi produzida a partir de 1965 e durou cinco temporadas. Com suas roupas provocantes, a protagonista incentivou fantasias de muita gente — seu quarto dentro da garrafa que lhe servia de casa remetia a prazeres das mil e uma noites.

Além de questionar o modelo da família americana, o seriado ousava ironizar os feitos de  um programa especial usado como arma na Guerra Fria e que, em 1969 levaria o homem à Lua: Dr. Bellows, o oficial psiquiatra Hayden Rorke, era um idiota que não percebia o arranjo conjugal do subordinado nem os truques de Jeannie.

A família Stephens se encaixava no padrão do então sonho americano, mas a presença da feitiçaria remetia a uma manifestação de intolerância no século 17: a perseguição e condenação à morte de pessoas acusadas de bruxaria na cidade americana de Salem. Entre 1964 e 1972, a TV apresentou ao público uma família de bruxas que eram gente quase como a gente.

Hoje seria inviável fazer séries que descartassem conquistas como a necessária diversidade — nas duas, os personagens, por exemplo, são todos brancos. Mas, diante de tantos retrocessos, é admirável que, há 60 anos, programas destinados a crianças e adolescentes fossem protagonizados por uma jovem que, em tese subordinada ao "amo", era dona do seu corpo e por uma dona de casa que usava seus poderes para inverter a lógica de dominação masculina.

Apesar das limitações típicas de uma visão de mundo arcaica, ambas são de tempos em que a magia poderia gerar encantamento e diversão sem que isso fosse considerado propaganda do Coisa Ruim.