Por: Fernando Molica

O pavor dos agressores

Alunos de faculdade de medicina da UNISA ficam pelados e simulam masturbação em partida de vôlei feminino. | Foto: Reprodução/Internet

Alunos do curso de Medicina da Universidade de Santo Amaro fizeram masturbação coletiva durante jogo de vôlei feminino (abril de 2023); calouros do curso de Medicina da Universidade de Uberaba ofenderam estudantes de Direito (março de 2019); em competição esportiva, estudantes de Medicina da Universidade Iguaçu gritaram "eu sou playboy, não tenho culpa se seu pai é motoboy" (outubro de 2022).

Seria injusto generalizar, os crimes e as ofensas foram cometidos por grupos específicos.  Mas o fato de os casos terem ocorrido com futuros médicos chama mais atenção. Afinal de contas, entregamos nossas vidas nas mãos de médicos, obedecemos suas determinações, com eles repartimos segredos. Há, em relação ao médico, uma confiança insuperável em relação àquela que dedicamos a outros profissionais.

Os chamados acadêmicos sempre mereceram um olhar de admiração. Principalmente na época em que o curso só era oferecido por instituições públicas, passar num vestibular para Medicina era um evidente sinal de capacidade e de esforço, é razoável admitir que tal situação gerasse algum tipo de vaidade intelectual entre esses alunos.

Os estudantes envolvidos nos três casos são de instituições privadas. As mensalidades nessas faculdades ficam em torno de R$ 10 mil e as características desses cursos — dedicação de tempo integral e compra de livros caros — contribuem ainda mais para que sejam quase exclusivos de privilegiados.

Mesmo os beneficiados por programas como o Prouni e o Fies têm dificuldades para cursar Medicina. Ainda hoje, 20 anos depois do início das cotas na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), ainda é difícil encontrar médicos negros. De um modo geral, cursos de Medicina, especialmente em universidades privadas, reúnem representantes de uma elite econômica brasileira, filhos de famílias acostumadas a mandar, habituadas à impunidade que marca suas relações com a política e a justiça. 

A tímida, e ainda muito insuficiente, ascensão social de setores da sociedade brasileira registrada no primeiro decênio desse século incomodou muita gente. Aquelas pessoas que compararam aeroportos com rodoviárias, que não admitiram a ampliação de direitos trabalhistas para empregadas domésticas, que reclamaram das cotas raciais em universidades públicas — a pioneira e já citada Uerj chegou a ser apelidada de "Congo", por abrigar tantas alunas e alunos negros. Os absurdos cometidos por aqueles estudantes estão afinados com as agressões sofridas por médicos cubanos — quase todos negros —, vistos por tantos colegas brasileiros como invasores que ousaram aceitar cuidar dos mais pobres.

A masturbação pública dos tais alunos indica — além de machismo, agressividade e falha na formação ética e humanista de cada um deles — a existência de um sentimento de superioridade que, de forma  nada contraditória, demonstra medo. Qualquer calouro de Psicologia pode discorrer sobre a insegurança daqueles que fazem questão de mostrar e exaltar o próprio pênis, símbolo de poder.  Um exibicionismo que revela o pavor das inevitáveis e necessárias mudanças — econômicas, sociais, raciais, comportamentais — que questionam e ameaçam tantos lugares de falo; ops, de fala.

 

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