Por: Fernando Molica

A lira do Lira

Arthur Lira é o grande regente político do Brasil no momento. | Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Em entrevista à 'Folha de S.Paulo', o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), regeu com perfeição e clareza a melodia do Centrão. Em troca de apoio, o governo precisa ceder ministérios, liberar emendas, entregar a Caixa e a Funasa e impedir que Polícia Federal continue a criar tantos problemas.

Aos jornalistas, o maestro da Câmara expôs com clareza os movimentos e o andamento de uma partitura que serve de trilha sonora para a política brasileira há décadas. 

Geralmente, as conversas sobre apoios começam num Allegro ma non troppo, alguma pressa, mas não muita, um devagar com a louça que eu conheço a moça. Depois costuma vir o Adagio, de levada mais lenta. É hora do com jeito vai, senão um dia a casa cai. E tome de declarações escorregadias, de ameaças nos bastidores. 

Na sinfonia do Centrão, o terceiro movimento ensaia um bailado, um minueto, mas nada assim tão feliz. Ainda há alguma dúvida, tensões, desequilíbrios. Frequentadores de salas de concerto sabem que ainda não é hora de aplaudir.

O quarto e último movimento representa, enfim, a alegria, é hora do Allegro, quando o maestro vai, aos poucos, chamando todos os instrumentos para os acordes finais. Aqui, já não dá pra diferenciar aqueles que haviam sido acionados lá no início da partitura dos músicos que foram aderindo aos poucos às convocações do regente. É a vez da ode à alegria, do todo mundo junto, pra frente Brasil: ébrios de fogo, partidos entram no governo.

Mas a concertação não é eterna, precisa ser sempre renovada. Como mostrou Fellini em seu 'Ensaio de orquestra', entre os instrumentistas há ciumeira; o poder do maestro também costuma ser questionado, nem sempre os músicos concordam com o andamento por ele determinado.

Lira foi bem específico: transformados em solistas, PP e Republicanos passam a fazer parte da base do governo. Ressalta, porém, que não dá pra garantir que todos vão tocar em uníssono, há sempre deputados que desafinam. Mas frisa que há também aqueles que, apesar de filiados ao bolsonarista PL, gostam de participar das apresentações da orquestra governamental. 

O presidente da Câmara não se constrangeu ao revelar que seu PP vai receber a Caixa e todas as suas 12 diretorias. Não explicou se seu partido tem diretrizes programáticas que serão implantadas no comando do banco público ou se a rígida partitura sinfônica dará lugar a um grupo de jazz, que parte de um tema para improvisar como bem entender.

Deixou também claro que não quer saber do rufar ameaçador dos tímpanos — aqueles tambores de orquestras — tocados pela Polícia Federal e que com frequência ressoam ameaçadores por corredores e gabinetes do Congresso. Nada de batidas eloquentes que remetem a canhões, melhor que seus músicos peguem levem, toquem com aquelas vassourinhas tão ao gosto dos bateristas de bossa nova.

Acordos como os fechados com o Centrão costumam dar vida a governos que temem ser jogados na barca de Caronte e, assim, conduzidos à morte. O som da lira pode driblar ou adiar destinos, mas é bom que Lula fique atento. Qualquer gesto mais abrupto e precipitado do do músico e regente pode levar o presidente de volta a infernos bem conhecidos pelo PT.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.