Por: Fernando Molica

Só tinha de ser com Elis e Tom

Capa do disco LP, entitulado 'Elis e Tom" | Foto: Reprodução

De repente, não mais que de repente, um documentário sobre um disco gravado há quase 50 anos tem o poder de reciclar uma beleza que anda meio escondida e de reafirmar que é possível produzir delicadeza mesmo em momentos duros como os anos 1970.

"Elis & Tom, só tinha de ser com você", filme de Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay, trata da gravação, em 1974, em Los Angeles, do LP que marca a tabelinha entre dois dos nossos melhores, a cantora Elis Regina (1945-1982) e o compositor e músico Tom Jobim (1927-1994). Um encontro de talentos e de egos, de vigor e de vaidades, de carinhos e disputas — nem sempre uma reunião de dois gênios gera, de cara, um entrosamento como o de Pelé e Garrincha.

O documentário frisa a resistência de Tom ao saber, de forma tardia, que os arranjos não seriam dele, mas de um jovem (30 anos) e ainda pouco conhecido César Camargo Mariano, casado com a cantora. Compositor consagrado (sete anos anos antes fora lançado seu disco com Frank Sinatra), Tom também não gostou de saber que os arranjos incluiriam instrumentos elétricos.   

O filme mostra a irritação de Tom, sua impaciência e ironias em relação às ideias daquele músico e arranjador que teria papel fundamental na carreira de Elis. Ressalta também como Mariano teve jogo de cintura para aturar as implicâncias de Tom (menos diplomática e mais temperamental, a cantora chegou a arrumar as malas para voltar para o Brasil e, assim, abandonar o projeto).

Mas todos os envolvidos na gravação tiveram juízo de negociar e ceder. O álbum, disponível em qualquer streaming, é das coisas mais lindas que já se ouviu tocar. As espetaculares e quase inacreditáveis canções de Tom (cinco delas criadas com Vinicius de Moraes) são interpretadas pelo compositor-pianista do seu jeito econômico e preciso e por uma Elis mais contida, que dialoga com as letras e com as melodias, que não procura se impor.

O resultado é bonito e emocionante demais; muita gente no cinema chora, lágrimas que indicam uma espécie de reconciliação com um Brasil que volta e meia nos desafia com a grosseria, o descaso, o desprezo pela vida, a violência, o preconceito e a insensibilidade.

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Capa do disco LP, entitulado 'Elis e Tom" | Foto: Reprodução

"Elis & Tom", álbum e filme, renovam e apontam direções, estimulam a ousadia e a busca de qualidade na produção artística, indicam que embates como os travados nos bastidores às vezes são necessários. Ao aplaudir o documentário no fim de cada sessão, o público também venera e estimula a possibilidade de um país mais amoroso, promessa de vida em nosso coração.

 

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