Por: Fernando Molica

Fé na política

Evangélicos creem que sua atuação política-institucional representa uma missão dada por Deus. | Foto: Montagem/Reprodução

As eleições para integrantes dos conselhos tutelares reafirmaram que, aliadas a setores da extrema direita, igrejas evangélicas são hoje a principal organização política do país. Uma organização que, apesar de propagar teses conservadoras, tem uma estrutura moderna, ágil, multifacetada, integrada por milhões de pessoas que, mais do que militantes, são líderes e multiplicadores de uma determinada verdade, também divulgada pelos tantos descaminhos da internet.

A lógica das igrejas evangélicas favorece uma pulverização que, neste caso,  é sinônimo de força, não de dispersão. Diferentemente do que ocorre com o catolicismo, não há um rígido comando unificado e central, mas princípios gerais adaptáveis à realidade de cada área.

Essa descentralização serve de vacina à obediência hierárquica que, no caso católico, contribuiu de maneira decisiva para o fim das CEBs, Comunidades Eclesiais de Base, bombardeadas por sucessivos ataques do Vaticano.

Baseadas numa leitura conservadora da Bíblia, valores repetidos ao longo de séculos, essas células de atuação política de origem evangélica são versáteis. Podem ser ligadas a grandes denominações, com estrutura e objetivos empresariais, mas também a pequenos núcleos religiosos plantados em favelas, áreas rurais e periferias.

Num país pobre, violento, de urbanização repentina, igrejas evangélicas se tornaram pontos de referência fundamentais para os que chegavam de outras cidades e estados. São, na grande maioria dos casos, templos simples, compatíveis com as casas dos vizinhos, não exibem a imponência dos templos católicos.

Os pastores são pessoas como eles, muitas vezes de origem pobre, passam ou passaram por dificuldades de sobrevivência, têm problemas no casamento, passam perrengues com os filhos — padres sequer constituem família.

Em alguns locais, como no Rio, a ligação entre religião e política foi semeada por gestos como o do então governador Anthony Garotinho, que, evangélico, entregou a pastores a tarefa de distribuição em suas comunidades o Cheque Cidadão, programa de complementação de renda.

A  necessária adoção pela esquerda das chamadas pautas identitárias deu aos evangélicos uma nova missão, o combate ao que, para eles, é a única forma possível de família. Numa sociedade de valores políticos-institucionais tão frágeis e de experiências educacionais e culturais tão variadas e díspares, a defesa de um determinado comportamento moral serviu como um toque de reunir.

A mudança nas relações trabalhistas e a crise nas organizações sindicais que propunham lutas coletivas fortaleceram a fé nas soluções individuais; o protestantismo classifica a riqueza material de benção divina. 

Por essa visão, a esquerda virou uma ameaça à moral social e à prosperidade individual, ao empreendedorismo, mesmo ao que trafega pendurado numa motocicleta para entrega de comida.

Não importa que, aqui e ali, lideranças evangélicas apareçam envolvidas em escândalos ou negociatas, são vistas como vítimas de injustiça, exemplos da histórica perseguição aos cristãos, especialmente aos seguidores das teses de Martim Lutero.

Espalhados pelo país, unidos por um discurso moral, político e econômico, evangélicos ensaiam uma nova versão do trabalho de base tão propagado pela esquerda. Mais: creem que sua atuação política-institucional representa uma missão dada por Deus, e não é simples debater com Ele.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.