Por: Fernando Molica

Gaza de lá, Gazas de cá e a pororoca social

Mapa da cidade do Rio de Janeiro, o general João Figueiredo e o mapa da Palestina com a Faixa de Gaza em destaque. | Foto: Arquivo Nacional e reprodução de mapas na internet

Casos de barbárie, de assassinatos, de ataques terroristas e de massacres precisam ser condenados, não são perdoáveis nem admissíveis. Mas é preciso tentar entendê-los, até para evitar sua repetição. Entender não é perdoar.

Por mais terríveis que sejam, os episódios são consequência de fatos históricos e sociais. O poderio econômico e bélico de Israel não seria desafiado de maneira tão cruel e incisiva se não houvesse, entre radicais e cidadãos palestinos, a certeza de que, a julgar pelas medidas tomadas pelo governo do país, um acordo de paz seria impossível.

A desproporção de forças indica que, ao atacar Israel, ao matar tantos inocentes, o Hamas assumiu o risco de uma espécie de suicídio coletivo, uma medida desesperada, um tudo ou nada. Gaza tem cerca de 35% do território da cidade do Rio de Janeiro, lá vivem 2 milhões de pessoas, 50% de desempregados, 60% na pobreza, sua renda per capita é em torno de 80% à registrada em favelas cariocas. Um território bloqueado por Israel há 16 anos.

Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Nethanyahu não faz concessões aos palestinos, estimula a presença de colonos em territórios ocupados. A exemplo de tantos políticos brasileiros, considera que a violência só pode ser respondida com violência; que a segurança dos cidadãos israelentes pode ser obtida com mais e mais medidas repressivas. O ataque do Hamas prova, mais uma vez, seu erro.

Ao asfixiar Gaza, ao se recusar a negociar, ao não admitir ceder, Nethanyahu, em nome de seus eleitores, faz o jogo dos radicais — em Israel e na Palestina — e gera mais revolta e ódio. O ser humano precisa de esperança, de saídas, de possibilidades de melhoria de vida. O bloqueio de saídas contribui para o desespero, para tomada de medidas extremas.

No Rio, há décadas que governantes praticamente só recorrem a sucessivas operações policiais para, dizem, acabar com o domínio territorial de bandidos em favelas. O resultado costuma ser tão pífio quanto os obtidos por Nethanyahu e aliados. O que ocorre em Israel deveria ser visto com mais cuidado por aqui. Nas 1.074 favelas cariocas há cerca de 1,4 milhão de moradores, quase a população de Gaza. Nelas, a maioria vive submetida aos desmandos dos bandidos e da polícia.

Incursões que geram mortes — inclusive entre policiais —, interrompem o funcionamento de escolas, aumentam a revolta contra um Estado incapaz de equacionar problemas crônicos de educação, saúde, habitação, trabalho digno e segurança. A situação é tão parecida que há áreas de favelas conhecidas como Faixas de Gaza, territórios onde conflitos são mais frequentes e intensos. A falta de esperança e de expectativas serve de estímulo para que tantos jovens optem pelo caminho radical do crime; eles sabem que vão acabar presos ou mortos, que a escolha é suicida, mas não veem outra saída.

Nós, cariocas, não precisamos de muito esforço para perceber o risco trazido pela injustiça, basta olhar para o alto ou para o lado. E não custa lembrar das palavras do general João Figueiredo, o último presidente da ditadura. Já fora do poder, alertou para o perigo do que chamou de "pororoca social" — um levante protagonizado por moradores de favelas. Ainda ressaltou que nenhum exército seria capaz de conter algo assim.

 

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