Por: Fernando Molica

Proposta e crime

A proibição do casamento homoafetivo é crime. | Foto: Reprodução

O projeto de lei que proíbe casamento entre pessoas do mesmo sexo deveria ser enquadrado como criminoso. Como o Supremo Tribunal Federal equiparou homofobia ao racismo, tentar impedir uniões entre homossexuais é o mesmo que procurar classificar de ilegais os casamentos inter-raciais.

O projeto foi apresentado por dois ex-deputados — Capitão Assumção e Paes de Lira —, recebeu parecer favorável do deputado Pastor Eurico (PL-PE) e acabou aprovado pela Comissão de Previdência e Família da Câmara. Será submetido à Comissão de Constituição e Justiça antes de eventual votação em plenário.

Casamentos entre pessoas pretas e brancas já foram proibidos em países como África do Sul e Estados Unidos. No Alabama, essa interdição só caiu em 2000,  graças a um plebiscito — 33 anos antes, a Suprema Corte já havia decretado a inconstitucionalidade dessa proibição. Em 2015, a decisão serviria de base para a própria corte decretar a legalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo e assim reconhecer características comuns nas duas manifestações de preconceito.

Na justificativa do projeto, Assumpção e Lira citam dez vezes a palavra Deus. O nome d'Ele também foi usado nos EUA para justificar a proibição de uniões inter-raciais, como mostram o professor Jeremy W. Richter e o juiz Paulo Cesar Batista dos Santos em artigo disponível no site do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Os argumentos são muito parecidos:

. "(...) relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo são absolutamente proibidas por Deus", escreveram Assumção e Paes de Lira.

. "Deus Todo Poderoso criou as raças branca, negra, amarela, malaia e vermelha, e as colocou em continentes separados. Salvo para interferência na sua criação, não haveria motivo para tais casamentos", juiz Leon M. Bazile, que, 1959, na Virgínia, condenou branca que se casara com negro.

Para o Pastor Eurico, que cita Deus três vezes em seu texto, "o casamento e a família se constituem na razão de ser do Estado", daí a "necessidade exclusiva, através do casamento entre um homem e uma mulher, de tutela especial do Estado". Richter e Santos citam que, em 1877, ao defenderem a posição racista, juízes americanos afirmaram que o casamento  era a mais importante instituição civil na sociedade e, em nome de Deus, não deveria ser palco de misturas raciais.

Em 2011, STF validou as uniões homoafetivas; oito anos depois,  fez a equiparação de condutas "homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas" com o racismo. Em 2023, reconheceu que ofensas homofóbicas podem ser consideradas como injúria racial.

Os deputados que apoiam o projeto sabem de sua inconstitucionalidade, mas não perdem a chance de provocar, de criar polêmica, de jogar para a torcida — é só o que sabem fazer. Ao atiçarem o ódio, eles colocam a risco a vida de muita gente, cidadãs e cidadãos que ajudam a pagar seus salários.

Como definiu o STF, manifestações homofóbicas "ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação" à lei que pune o racismo. É preciso que a Procuradoria-Geral da República apure a eventual conduta criminosa dos autores do projeto da mesma forma que agiria se a proposta fosse para proibir casamentos entre pessoas de diferentes etnias. 

 

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