Por: Fernando Molica

Boa vizinhança

Um barril de pólvora prestes a explodir | Foto: Freepik

Há pouco mais de uma década, um diplomata brasileiro justificou as concessões que Lula, em seu segundo mandato, fazia à Bolívia e ao Equador: "Não é bom pra ninguém ter vizinho pobre", disse.

O novo confronto no Oriente Médio não será solucionado de maneira simples, mas a frase que o ex-embaixador me disse numa conversa por telefone bem que poderia ser levada em conta por Israel.

Basta olhar imagens de Tel Aviv e Gaza. O contraste é chocante, ainda que familiar para brasileiros. A cidade israelense é bonita, dinâmica, cheia de prédios, avenidas. A palestina lembra periferias das regiões metropolitanas brasileiras e, mesmo, favelas horizontais de São Paulo e Rio de Janeiro. A pobreza por lá é evidente. Naquele pequeno território (equivalente a 35% da cidade do Rio de Janeiro) vivem 2 milhões de pessoas, 50% delas desempregadas, 60% na pobreza. 

Carências em boa parte geradas pelo bloqueio imposto por Israel há 16 anos e que servem de combustível para a revolta, protestos e, mesmo, para que muitos jovens aceitem praticar atos terroristas — mesmo sabendo que têm grande chance de morrer.

Questões étnicas e religiosas também servem de pólvora, mas a história mostra que muitas vezes a fé serve para concentrar e vocalizar uma indignação. A revolta, na Palestina e em tantas regiões do mundo, inclusive no Brasil, está principalmente relacionada à falta de esperança de uma vida melhor.

Não se trata de absolver o terrorismo ou de perdoá-lo, mas de tentar entender como tantas pessoas se lançam em projetos assassinos. Nos últimos anos, o governo israelense, eleito pela população, tem optado pelo combate incessante, não abre caminhos para o diálogo, reitera a política de ocupação de territórios palestinos. Uma lógica que remete à estratégia de segurança adotada no Brasil, que acirra conflitos, gera mortos e nada resolve.

As guerras entre israelenses, árabes e palestinos geraram muitos mortos — talvez seja difícil encontrar nesses países alguém que não tenha chorado a morte de um parente ou amigo. É preciso respeitar as dores, entender a dificuldade de diálogo e até o desejo mútuo de vingança, mas não se pode insistir no que dá errado há tanto tempo.

Palestinos e israelenses continuarão a viver lado a lado, cabe ao vizinho mais rico e aos seus aliados ocidentais investirem numa estratégia que, aos poucos, gere alguma expectativa de vida pacífica e própera, algo que faça com que jovens pensem muitas vezes se vale a pena matar e morrer.

No Rio, é comum observarmos casas e prédios que, ao longo dos anos, foram desvalorizados, principalmente, pelos constantes tiroteiros em favelas vizinhas. Imóveis outrora caríssimos são oferecidos por preços muito baixos, um fenômeno gerado pelos problemas na vizinhança. Muitos dos mais ricos teimam em não entender que a vida deles também melhora quando os mais pobres conseguem algum progresso e passam a cultivar esperança. Há questões que não são resolvidas com mais tiros, grades, carros blindados e segurança privada.

Israel precisa ter a grandeza de desarmar corações e mentes de seus vizinhos e, assim, isolar os radicais dos dois lados que fomentam o ódio. Isso, para que sua própria casa também fique segura, habitável, para que a perspectiva de guerras infinitas não inviabilize uma vida tranquila para seus cidadãos.

 

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