Por: Fernando Molica

Dez anos de dribles

Capa da edição especial de "O drible" | Foto: Divulgacão

Os dez anos passados desde o lançamento de "O drible" (Companhia das Letras), de Sérgio Rodrigues, permitem constatar que o (ótimo) livro faz tabelinha não apenas com a nossa relação com o futebol, mas com o momento histórico em que vivíamos.

Num dos posfácios da caprichada edição comemorativa que acabou de chegar às livrarias, Sérgio ressalta que talvez o livro não viesse à tona caso tivesse ficado pronto depois do 7 a 1 imposto, em 2014, pela Alemanha ao Brasil. Afinal, frisa, "O drible" é "uma linha de passe entre a celebração, a crítica e a desconstrução de um mito — o da grandeza insuperável do futebol brasileiro". 

A ironia presente em todo o romance relativiza o certo tom de saudosismo que transpira das páginas, especialmente de trechos relacionados a Murilo Filho, o celebrado ex-jornalista esportivo, testemunha ocular de grandes conquistas do nosso futebol. 

As glórias são pontuadas por tragédias pessoais, como as de Murilo, de sua ex-mulher e de seu filho, e a do brihante Peralvo, que levava ao pé da letra a definição feita por Tostão: craque, era capaz de antever as jogadas. 

"O drible" trata de um Brasil que, apesar de vitorioso, expõe suas muitas fraturas e contradições. Além de aplicar muitos dribles — nos personagens e no leitor —. o livro, ao ser relido depois de tanto tempo, ressalta de maneira indireta os gols contra que o país teima em fazer. O fato de ter nascido no mesmo ano que marca o início das grandes manifestações reforça uma ligação com o nosso passado.

O pai decadente e o filho amargo, que sequer conseguiu tomar jeito na vida, protagonizam um conflito que vai além do campo de futebol e, mesmo, das relações familiares. É como aquela bola que, ao ser chutada, desvia num jogador, engana o goleiro e balança a rede. 

Tão citados no romance, os fracassos, a violência, as traições, as relações espúrias com o poder, as promessas e esperanças que ficaram pelo caminho não são exclusivos dos dos personagens, fazem parte de nossas vidas, velhos conhecidos e companheiros de viagem. 

Se 2014 marcou o fim da ilusão de uma superiodade brasileira nos estádios, 2013 iniciou o processo de demolição do passado em nome de um futuro tão perigoso e irresponsável quanto as destrambelhadas idas ao ataque de David Luiz na tragédia do Mineirão. O país botou o time todo pra frente e abriu incontáveis buracos em sua defesa, expôs sua fragilidade política e institucional.

Nem a sagrada camisa canarinho escapou, seu amarelo que tanto coloriu as nossas vidas, que transmitia esperança e alguma ideia de  redenção, virou uniforme de uma era que feriu de maneira quase mortal a expectativa de um país melhor, mais justo e menos cruel. 

Depois do apito final, resta ao leitor sair do livro entre encantado pelo romance e preocupado com o futuro do próprio time: como definiu Aldir Blanc, com aquela falsa euforia de um gol anulado. 

 

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