Drogas da corrupção

Por Fernando Molica

Por Fernando Molica

Drogas e corrupção andam juntas

São respeitáveis os argumentos dos que condenam a descriminalização de drogas como maconha e cocaína. É correta a preocupação com eventuais consequências da liberação de substâncias hoje ilegais. A boa intenção, porém, acaba virando cúmplice da corrupção em larga escala de agentes do Estado e de uma matança interminável.

Num mecanismo semelhante ao que ocorre com o caso do aborto, a proibição de algumas drogas não é suficiente para impedir sua comercialização e seu consumo: quem quer se drogar se droga. Todos podem deseja um mundo em que ninguém busque paraísos artificiais, o problema é que isso não existe. Praticamente todas as civilizações utilizaram ou criaram substâncias capazes de gerar prazer, euforia e/ou alguma forma de escape, de fuga temporária da realidade.

Cabe ao legislador proibir atividades que afetam a vida coletiva — roubo, homicídio,  corrupção, estupro —, mas é discutível o direito do Estado de intervir na vida privada do cidadão que lhe sustenta. 

Álcool e tabaco, que matam muito mais gente que drogas ilegais, nunca foram proibidos entre nós. Nenhuma pessoa maior de 18 anos é impedida de beber, desde que, depois, não prejudique terceiros. Não pode dirigir, operar máquinas. Vale também pro cigarro: quer fumar, ok, mas lá fora, não em ambientes fechados.

Só este mês, o Exército constatou o desvio de armas pesadas de seu arsenal e o Rio foi palco de três grandes casos de envolvimento de policiais com o tráfico. Um sargento PM  foi preso pela Polícia Civil transportando 151 quilos de cocaína. A Polícia Federal desbaratou dois grupos da Polícia Civil: um é acusado de exigir propina para liberar 16 tolenadas(!) de maconha; o outro é suspeito de desviar 280 quilos de cocaína.

As ações permitem algumas constatações: 1. as prisões foram feitas por agentes de corporações policiais diferentes daquelas de seus alvos (Polícia Civil prendeu PM; PF investiga Civil); 2. o volume de drogas envolvido demonstra, mais uma vez, que o tráfico não chegaria ao atual patamar sem uma azeitada máquina de corrupção que envolve agentes do Estado — não apenas policiais.

Seria irresponsável e injusto atribuir às instituições policiais o rótulo de cúmplices do crime; mas não dá pra tratar tantos casos como fatos isolados. A maioria que defende uma política de intolerância total ao uso drogas age de forma bem-intencionada. Mas, na prática, colabora para a manutenção e crescimento da indústria do crime alimentada pela proibição (os mafiosos lucraram muito com a Lei Seca americana, a proibição de bebidas alcoólicas entre 1920 e 1933). 

A legislação também é cruel com jovens negros e pobres presos  com pequena quantidade de drogas — na maior parte das vezes, desarmados — e que acabam marcados como traficantes. A cor da pele e a condição social são decisivas para que quem alguém flagrado com drogas seja classificado de consumidor ou de criminoso.

Não seria simples descriminalizar drogas, mas o Brasil não pode continuar ignorar experiências internacionais (Portugal, Canadá, Estados Unidos, Uruguai) que apontam para caminhos possíveis. A menos, evidentemente, que setores do mesmo Estado que defendem a situação atual se beneficiem da indústria da droga ilegal. Como em outros casos, vale repetir: a quem interessa o crime?