Violência e erros

Não é fácil controlar o crime, ainda mais num país tão injusto e desigual como o nosso. Mas a experiência deveria ao menos servir para que os erros não fossem, mais uma vez, repetidos.

Por Fernando Molica

Operação policial após ataques às bases das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), em 2016, nas comunidades do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, no Rio de Janeiro.

Lá se vão 37 anos desde que Moreira Franco, então candidato ao governo do Rio, prometeu acabar com a violência em seis meses. Foi eleito, mas a promessa não deu em nada. Desde então, outros dez governadores passaram pelo Palácio Guabanara; todos falaram no combate à violência, e pouco adiantou: dá pra apostar num novo fracasso com o envio da Força Nacional para o estado.

Boa parte do erro se deve à insistência na cartilha da chamada guerra contra as drogas, uma simplificação que localiza nas favelas a origem de todos os males. Bastaria portanto atacar os morros para resolver o problema, principalmente de quem não mora lá.

Em 1986, Moreira pegou carona nos críticos que atribuíam ao governador anterior, Leonel Brizola, a responsabilidade pelo agravamento da situação já que ele proibira que a polícia invadisse casas em favelas. Como se o direito de ir e vir de parte da população dependesse do desrespeito ao direito dos outros, dos mais pobres.

Ao longo de quase quarenta anos, foram muitas as iniciativas. Em 1994, o governador Nilo Batista assinou convênio com o governo federal que permitiu o emprego das Forças Armadas na segurança pública, um recurso que seria utilizado mais vezes, e que nunca deu certo. Seu sucessor, Marcelo Alencar, instituiu a "gratificação faroeste", que premiava policiais que matavam mais.

No governo de Sérgio Cabral houve uma tentativa de se fazer o óbvio em relação às favelas: nelas implantar um policiamento permanente, como aquele que existe nas demais áreas da cidade, algo que impediria as operações que levam terror às comunidades. As UPPs começaram bem, mas acabaram sufocadas pela ambição política e pela falta de recursos. Em 2018, Wilson Witzel pegou o embalo de Jair Bolsonaro e foi eleito governador ao pregar que daria "tiro na cabecinha" de bandidos, como se isso fosse novidade. Ele acabou afastado do cargo por um impeachment.

Em todos esses anos, governos jogaram principalmente para a arquibancada, que aplaude sucessivas matanças, vistas como forma de combate ao crime quando não passam de efeitos especiais como os das comissões de frente das grandes escolas de samba. São estimuladas porque matam apenas pobres, quase todos negros: moradores inocentes, bandidos e também policiais de baixa patente.

Ao longo de tanto tempo, a violência só aumentou porque gerou lucros para muita gente, é o que explica o fato de o Estado ser derrotado nesse embate: perde porque quer perder, essa derrota é lucrativa para muita gente. A criação e a consolidação das milícias revelam que o crime estava entranhado não apenas nos órgãos de segurança mas também na estrutura política. Há algum tempo ficou difícil traçar fronteiras entre tráfico, milícia e setores de poderes constituídos.

Não é fácil controlar o crime, ainda mais num país tão injusto e desigual como o nosso. Mas a experiência deveria ao menos servir para que os erros não fossem, mais uma vez, repetidos. Não dá pra pensar em medidas que não incluam controle e identificação de armas e de munição (o que foi praticamente abolido no mandato de Jair Bolsonaro), corregedorias policiais fortes e independentes, aprimoramento de investigações e, principalmente, fim de acordos políticos com quem manda no crime.