O Brasil que nos chega pelo som
Por Fernando Molica
Ao narrar, em sua coluna na "Folha de S.Paulo", o dia em que ouviu Alcione cantar "A loba" num táxi parisiense dirigido por uma maliniana, Djamila Ribeiro me fez lembrar das vezes em que, no exterior, fui abraçado pela música brasileira, nosso maior ativo artístico-cultural.
Fiquei emocionado em todas as ocasiões, com vontade de gritar que aquele som que ocupava ruas, metrô, parques, restaurantes, vinha do meu país, do meu Brasil tão injusto e tão belo, era fruto de uma mistura de tanta gente, de tantas cores e culturas.
Na mesma Paris citada por Djamila já ouvi Tom Jobim no metrô; num sábado, faz tempo, foi até engraçado. Num sábado, sozinho, andei tanto que fui parar numa rua onde havia uma feira acalentada por músicas vindas de um sistema de som. Naquele exato momento em que cheguei, João Bosco me chegou pelos alto-falantes cantando "Pret-a-porter de tafetá".
Na música, dele e de Aldir Blanc, é feita uma brincadeira com palavras em francês e em português, "Voilá e ça va, patati, patatá/ Boulevard, saravá, sou da Praça Mauá/ Dendê, matinê, pa-dédé, Meu petit comité, bambolê", o que tornava o episódio ainda mais curioso: taí, seu Mitterrand.
Em Barcelona, presenciei duas situações de encantamento. Ao descer o Parque de Montjuïc, reconheci como sendo de autoria de Heitor Villa-Lobos as notas que saíam do violão de um músico de rua. Anos depois, fui ver o Barça e Messi jogarem. Eis que a torcida começa a cantar, com letra obviamente adaptada, o "Festa para um rei negro", o "Pega no ganzê" composto por Zuzuca e que embalou o Salgueiro em 1971.
Por falar em samba enredo: há uns dez anos, passeando em Saint-Emilion, entrei numa loja de vinhos, e o vendedor, ao desconfiar do meu sotaque, perguntou se eu era brasileiro. Diante da confirmação, o francês começou a cantar: "Lá vem o Virrrradouro aí, meu amorrrrr". Ele desfilara na escola de Niterói em 1997 e adorava o "Trevas! Luz! A explosão do universo", de Dominguinhos do Estácio, Mocotó, Flavinho Machado e Heraldo Faria
Ano passado, numa rua de São Francisco, a voz de Gal Costa parecia me chamar para dentro de uma loja. Em Los Angeles, ouvi Caetano Veloso no Museu do Oscar que exibia exposição sobre os filmes de Pedro Almodóvar. O mais legal foi, durante um almoço num restaurante, reconhecer a belíssima "Cordeiro de Nanã", sucesso de Os Tincoãs composta por Dadinho e Mateus Aleluia.
Embalada num remix, a canção me pegou de jeito, guardanapo virou lenço. É como se o melhor do Brasil, sua doçura e seu acalanto, me desse colo e carinho. Como diz a letra, um cantar onde vibravam as forças que sustentam nosso viver, tão cheio de perrengues e de beleza.
Era como se Nanã ressaltasse o barro de que somos feitos, o eterno e o provisório, renovasse a fé no país de múltiplas expressões e que me alcançava assim tão longe para reforçar o que somos, o que podemos e devemos fazer.