Futebol é apaixonante por não se tratar de uma simples de disputa de onze contra onze, mas de um roteiro de ficção. Uma partida tem estrutura cheia de variáveis, armadilhas, pistas falsas, protagonistas, antagonistas, personagens de apoio, elementos épicos, drama e de comédia. Há a elegância próxima da perfeição de Pelé, o talento fincado em pernas tortas como as de Garrincha, a paixão trágica de Maradona.
Como num livro, uma partida pode ter uns capítulos mais chatos, tempos mortos, parágrafos que parecem não levar a lugar algum. Os jogadores escrevem trechos que nos enganam e aparentam não ter sentido, mas o erro faz parte do jogo. Futebol é sinfonia, obra de longa duração que apresenta diferentes movimentos em torno de um tema comum. Há variações rítmicas, solos desse ou daquele instrumento, mas o fundamental é o trabalho conjunto, o da orquestra.
Arrisco dizer que a dificuldade do futebol nos Estados Unidos tem a ver com a cultura de vídeo clipe/TikTok que os caras aplicam no esporte. O beisebol, aquele outro futebol e mesmo o basquete da NBA são segmentados. O que vemos nesses esportes americanos é uma sucessão de cenas emocionantes. Mais do que uma fluidez, há uma coleção de sequências curtas. Criadores do show business e dos parques temáticos, eles apostam numa montanha-russa permanente.
Futebol tem a ver com um dia após o outro, não é corrida que tenha linha de chegada, vive uma luta contra o tempo — como todos nós. Como numa partida de futebol, nossa vida não é uma sucessão de melhores momentos. Há a lenga-lenga cotidiana, troca de passes na defesa, decepções que se alternam com vitórias, falhas, frangos, erros de passe ou de conclusão, jogadas de sorte, viradas inacreditáveis. Fora os erros de arbitragem, as injustiças.
Como na vida, é preciso dosar energias, ter cuidado com o ritmo: jogar tudo na primeira metade do tempo pode gerar falta de energia na segunda metade do jogo-vida (não é mesmo, Botafogo?). Como aprendemos ao viver, às vezes é necessário escorregar e insistir para conquistar, como fez o Fluminense, agora campeão da Libertadores. Um planejamento cuidadoso que inclui a surpresa, um herói improvável chamado John Kennedy.
Futebol é uma ficção com tamanha carga dramática, com tantas variações, que desafia escritores que buscam refazer esta ficção em páginas de livros (é como escrever sobre uma peça, um filme ou o livro, vira uma espécie de metaficção).
Nos emocionamos tanto com um jogo que esquecemos que se trata apenas da tal disputa de 11 contra 11 — da mesma forma como perdemos fôlego, choramos e gargalhamos com histórias que sabemos fictícias criadas por escritores, cineastas, dramaturgos.
Cada partida permite que também sejamos protagonistas, cada um tem suas próprias histórias com o futebol, histórias que muitas vezes também chegam com nossos pais, são passadas para nossos filhos, e que ajudam a dar sentido à vida. E, por falar nisso, hoje tem jogo do Botafogo. Fogo!