Por: Fernando Molica

Presidentes acuados

Eleito presidente em 2022, Lula vê o poder diminuindo de suas mãos e todo concentrado no Centrão | Foto: Ricardo Stuckert


A exacerbação dos poderes do Congresso acabou com aquela história de presidencialismo de coalização, expressão que tentava definir o toma lá-dá cá que caracterizava governos.

A fórmula era conhecida: em troca de votos na Câmara e no Senado, o presidente entregava cargos e varbas a partidos que não integravam sua base original. A mudança começou a ocorrer  em 2013, quando, pressionada, Dilma Rousseff se viu obrigada em tornar compulsória a execução das emendas ao orçamento (em geral, indicações de obras) feitas por parlamentares.

Antes disso, não bastava que um deputado ou senador incluísse uma determinada obra ou serviço no orçamento — ele precisaria bajular o governo para conseguir a liberação da grana. Antes, só eram agraciados aqueles que se comportavam bem na hora de votar projetos de interesse do Planalto. Hoje, cada parlamentar, governista ou de oposição, tem direito a uma cota milionária. Ao Executivo cabe apenas definir quando que a grana será liberada.

Embalado pela crise econômica e pelo Petrolão, conduzido pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o impeachment mostrou que o poder tinha novos donos, os detentores de mandatos no Congresso. Caso fossem contrariados, eles não vacilariam em arrumar um motivo para botar o presidente na rua.

Na prática, ao derrubar Dilma, o Congresso recuperou o poder de eleger indiretamente um presidente da República, no caso, o vice-presidente Michel Temer, que anunciou e executou um plano de governo em tudo diferente ao da chapa em que fora eleito. Mais do que a retirada de Dilma houve a entronização de Temer.

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Eleito presidente em 2022, Lula vê o poder diminuindo de suas mãos e todo concentrado no Centrão | Foto: Ricardo Stuckert

A inapetência de Jair Bolsonaro para exercer o governo e as brechas que abriu para um impeachment fizeram com que a Câmara, em particular o Centrão, aprofundasse o poder conquistado. O orçamento secreto foi o valor pago pelo engavetamento de boa parte dos pedidos de pedido de abertura de processos contra o presidente por crime de responsabilidade. 

Na campanha, Lula desancou o orçamento secreto, que acabaria enquadrado pelo Supremo Tribunal Federal. Mas ao voltar para o Planalto, viu que não teria saída se não fizesse mais e mais concessões a um Congresso insaciável: as emendas abocanham 25% do que o governo tem para investir. Isto dificulta a implantação de políticas nacionais amplas e favorece máquinas eleitorais.

O fim do presidencialismo de coalização deu ao Congresso o poder de exigir mais verbas e cargos sem que seja responsabilizado por problemas administrativos. Eles ganham cargos, recebem verbas, definem o destino da grana, faturam prestígio com obras sem a menor obrigação de mostrar eficiência.

A culpa será do governo se o país andar de lado ou afundar. No parlamentarismo, o governo é do próprio Poder Legislativo, os partidos indicam o primeiro-ministro, governam. No presidencialismo, a responsabilidade é do Poder Executivo, ele que se vire.

A esquerda brasileira, de um modo geral, não gosta do parlamentarismo, acha mais fácil chegar ao poder em eleições diretas, sabe que o voto para presidente é muito mais ideológico do que o para Legislativo. A questão agora é saber se vale a pena continuar a eleger um presidente cada vez mais sem poderes e que acaba servindo de biombo para os verdadeiros donos do poder.

 

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