A presença da mulher de chefe do Comando Vermelho numa reunião com o Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça reforça uma questão importante: para que serve a Abin, Agência Brasileira de Inteligência?
Em sua conta no X (antigo Twitter), o anfitrião do encontro, o secretário Elias Vaz, disse que não sabia que uma das pessoas presentes, Luciane Barbosa Farias, era casada com o tal bandido. Ressaltou que ela foi à reunião como acompanhante da ex-deputada estadual Janira Rocha, que pedira a audiência. Janira é vice-presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Anacrim-RJ (Associacão Nacional da Advocacia Criminal).
A explicação parece razoável, até porque se houvesse algum interesse escuso no encontro com a Luciane, a conversa não seria realizada em prédio oficial, os integrantes da reunião não posariam para uma foto. Mas o encontro houve, vazou para o jornal 'O Estado de S.Paulo', que cumpriu seu dever de publicar o fato. O episódio é uma notícia, da mesma forma que se tivesse ocorrido durante o governo anterior: redes petistas destacariam a presença de uma, digamos, primeira-dama do crime no ministério.
E aí vem a questão sobre a Abin: não seria obrigação da agência avaliar a ficha dos que, publicamente, visitam autoridades de um determinado escalão? Cidadãos que têm atendido seu pedido para uma audiência podem levar convidados como quem carrega um bicão para um churrasco dominical?
Criada em 1999 em substituição ao antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) da ditadura (extinto no governo de Fernando Collor de Mello), a Abin ainda não justificou sua existência. Pior, de vez em quando surgem suspeitas bem fundamentadas de que, a exemplo de seu antecessor, faz o que não deve, como no caso do suposto controle de movimentação de adversários do então presidente Jair Bolsonaro.
Um dos suspeitos de ter participado dessa história é um ex-agente do SNI, o que representa uma impropriedade. Não dá, num processo de transição para a democracia, demitir todos os funcionários públicos, militares e civis, que colaboraram com a ditadura. Mas também não é razoável achar normal que ex-arapongas especializados em práticas ilegais, como grampos telefônicos não autorizados, possam se converter à lógica de um regime representativo.
Os fatos ocorridos da saideira de Bolsonaro até o 8 de Janeiro mostraram a força de preconceitos ideológicos e da tentação arbitrária. É fundamental deixar claros os objetivos e as tarefas da Abin (preservados, claro, as características de um sistema de informação e inteligência).
Há também uma evidente falha do Ministério da Justiça, que deveria ter cuidado na avaliação e checagem de presenças. Muitas vezes, uma simples consulta ao Google ajuda a resolver a história, revela se o convidado foi condenado (caso da Luciane), se responde a processos. Dá pra fazer isso de forma automática, apenas com informações públicas.
O estrago foi feito, mas é preciso que o caso seja bem apurado. A ex-deputada Janira Rocha também tem que explicar por que levou — se é que levou — Luciane para a audiência. É preciso saber o que elas foram fazer lá, que interesses defenderam junto ao secretário. O ministério não pode fingir que nada aconteceu.