Muitas razões
O Judiciário acertou, mas também errou, ao impor restrições aos poderes Executivo e Legislativo.
Poucas iniciativas do Congresso Nacional conseguem acumular tantos bons argumentos — contra e a favor — como a Proposta de Emenda Constitucional que limita alguns poderes do Supremo Tribunal Federal.
Parlamentares que defendem a ideia têm razão ao criticar o excesso de decisões monocráticas de ministros do STF. Com uma simples canetada, eles têm o direito de mudar decisões de presidentes de outros poderes. Isto, de maneira isolada, sem consultar os demais integrantes da corte.
Foi assim, por exemplo, que, em 2016, Gilmar Mendes suspendeu a nomeação do então ex-presidente Lula para a Casa Civil, medida que removeu talvez a última possibilidade de reversão do processo que culminaria com o impeachment de Dilma Rousseff.
Na época, Lula sequer havia sido denunciado pelos procuradores do Ministério Público Federal que integravam a força-tarefa da Operação Lava Jato. Era um cidadão com absoluto gozo de seus direitos políticos e, mesmo assim, teve que sair do ministério.
A decisão de Mendes foi baseada na suposta intenção de Dilma de garantir foro privilegiado para o companheiro de partido. O ministro se baseou numa gravação telefônica ilegal — feita fora do prazo autorizado pelo então juiz Sérgio Moro.
Também de forma monocrática, Alexandre de Moraes impediu, no mandato de Jair Bolsonaro, que um delegado da Polícia Federal, Alexandre Ramagem, assumisse a chefia da instituição. Medida que usurpou um direito do presidente da República.
Ontem, ministros do STF também usaram bons argumentos para criticar a PEC. O presidente da corte ressaltou que medidas contra o Judiciário antecederam implantação de ditaduras (foi assim, por exemplo, no Peru e na Venezuela). Mendes e Moraes também criticaram a PEC.
Eles têm razão ao, de maneira indireta, relacionar a tentativa de limitação de seus poderes ao inconformismo de setores bolsonaristas com decisões tomadas pelo STF e pelo Tribunal Superior Eleitoral nos últimos anos que foram decisivas para impedir uma ruptura democrática.
As medidas tomadas por tribunais superiores foram importantes, ainda que tenham, algumas vezes, costeado — e mesmo ultrapassado — o alambrado da legalidade. Algo que pode ser justificado pela leniência do então procurador-geral da República, Augusto Aras.
O problema é que qualquer instituição precisa de controles e limites. É o que pressupõe a lógica do sistema de freios e contrapesos. Nenhum poder pode ser soberano.
O Judiciário acertou, mas também errou, ao impor restrições aos poderes Executivo e Legislativo. Até pela forma de escolha de seus ministros, o STF é, também, uma instituição política, sujeita às chuvas e trovoadas da democracia.
É razoável que o Judiciário atue para preencher lacunas deixadas pelo congresso — foi assim, por exemplo, na equiparação da homofobia ao racismo. Mas é delicado quando o judiciário, mesmo respaldado por princípios constitucionais, tenta resolver temas polêmicos, como a descriminalização do porte de drogas e do aborto.
O protagonismo, muitas vezes necessário, do STF, gerou, no Congresso, a busca de um freio de arrumação. Agora, é torcer para que os poderes, independentes, consigam se entender para viver em harmonia.