Por: Fernando Molica

Subúrbios desperdiçados

Sem incentivos e investimentos no transporte ferroviário, a qualidade da oferta tende a piorar constantemente. | Foto: Aline Massuca/Supervia

Em qualquer grande cidade, é um privilégio morar num bairro servido por transporte sobre trilhos que, em meia hora, leve o passageiro até o centro. Isso vale para Estados Unidos, Europa, mas não para o Rio.

O abandono, histórico e sistemático, do transporte ferroviário gerou uma situação absurda, que fica ainda mais evidente quando vista das janelas do trem. O que se constata são bairros decadentes, alguns deles favelizados, decorados cercados por cercas que tentam servir de barreira à violência.

Os interesses imobiliários fizeram com que, há decádas, grandes investimentos públicos fossem direcionados para as áreas litorâneas, é que explica a bilionária expansão do metrô para a Barra. A Olimpíada, que deveria ter sido sediada em áreas centrais da cidade, serviu de pretexto para as obras.

Como há tempos observa o arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães, o dinheiro investido na Linha 4 seria mais do que suficiente para transformar os trens em metrô. Não se trata de se construir muitos túneis ou viadutos. Como ele explica, o que diferencia o trem do metrô é que o primeiro tem horários; o segundo, intervalos. Trens como os da Supervia têm horários fixos e/ou intervalos muito grandes de, pelo menos, 15 minutos, bem superiores aos do metrô.

Um investimento de peso na melhoria das vias, dos vagões, da sinalização e das estações permitiria que a fantástica rede de trilhos ferroviários do Rio — a malha da Supervia tem 270 quilômetros, é cinco vezes maior que a do metrô.

Como também repete Sérgio Magalhães, ex-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil e ex-secretário municipal de Habitação, cidades boas são concentradas e não espalhadas. A expansão para a Zona Oeste, digamos, clássica e, mais recentemente, para a Barra e Vargens afastou populações do Centro, dos empregos, de grandes escolas, de equipamentos culturais.

Levar tanta gente para tão longe — Santa Cruz fica a 70 quilômetros do Centro do Rio — exigiu investimentos em infraestrutura, asfalto, em redes elétricas e de saneamento. Algo que explicável pela sempre presente vontade de se jogar os mais pobres para longe e de abrir caminhos para o mercado imobiliário. A geografia do Rio complica ainda mais a situação: aqui, o Centro fica no extremo leste da cidade, o que aumenta sua distância para bairros tornados periféricos.

O que chamamos de carioquismo vem dos subúrbios que, ao longo dos séculos, receberam moradores de diferentes origens, que formataram expressões culturais tão importantes como as escolas de samba. 

Não é nada difícil mudar a cara dos subúrbios, mas é preciso vontade política para investir na melhoria da infraestrutura já existente — como a do transporte por trilhos — e propor alterações na legislação urbanística que viabilizem a reforma de antigos prédios e possibilitem a construção de outros, preferencialmente, voltados para a rua e não para si mesmos. 

Ano que vem tem eleição para prefeito: cada candidato deveria, longe das câmeras, pegar o trem na Central e ir até os limites da cidade. Vai observar a decadência que se impõe pelas janelas e perceber as tantas possibilidades de criação de um Rio melhor. 

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