Por: Fernando Molica

As cores do tráfico

O influenciador e fisiculturista Renato Cariani junto com seus sócios sabiam do desvio de produtos químicos para a produção de crack, segundo o delegado da Polícia Federal Fabrizio Galli, em declaração sobre operação contra o tráfico de drogas deflagrada na tarde desta terça-feira (12/12). | Foto: Reprodução Instagram

O caso do fisiculturista e influenciador digital Renato Cariani, suspeito de tráfico de drogas, mostra que, no Brasil, até o crime tem escala cromática. Na medida em que a polícia deixa um pouco de lado as favelas e prioriza bairros nobres, a cor dos investigados vai ficando bem mais clara.

Num limite quase caricatural, a injustiça social no país é tamanha que, até em atividades ilícitas, negros têm papel subalterno. Basta lembrar dos alvos das últimas operações da Polícia Federal e, mesmo, dos escândalos de corrupção na máquina do Estado e na iniciativa privada (até onde lembro, envolvidos no caso das Lojas Americanas são todos brancos).

Isso se dá por motivos óbvios: a exclusão cuidadosamente projetada pela sociedade brasileira reserva para os mais pobres posições subalternas. Na maioria das vezes alijados do sistema de ensino, acabam não adquirindo conhecimento suficiente para gerenciar atividades legais ou mesmo ilegais.

É a mesma lógica que empurra uma minoria para uma atividade que nos acostumamos a chamar de tráfico de drogas, como se fosse razoável comparar um desses bandidos pobres com os grandes operadores de uma atividade transnacional e que movimenta bilhões de dólares. Não dá pra dizer que o camelô que vende cocaína num morro tem a mesma profissão de um Pablo Escobar.

Não se trata de dizer que esses varejistas de produtos ilegais não cometem crimes, que não são cruéis e perigosos, sabemos dos males que causam. Mas, na prática, ficam do lado inferior de uma hierarquia também comandada por brancos. 

Da mesma forma que é cômodo ter mão de obra abundante e barata para lavar, passar, cozinhar, cuidar de filhos e idosos, é simples transferir para os mais pobres a responsabilidade pelo tráfico de drogas. É mais fácil entrar em favelas e prender/matar bandidos de baixíssimo escalão do que enfrentar estruturas sofisticadas e pesadas.

Em sete dias, de quarta, 29 de novembro, a terça, 5 de dezembro, as polícias fluminenses comunicaram ao Ministério Público a realização de 24 operações em favelas; média de 3,4 por dia. Só na quinta, dia 30, houve 12 dessas operações. É fácil fazê-las, difícil é chegar aos chefes do crime.

É razoável que o Estado, até no seu viés policial, mantenha presença em comunidades, mas há décadas que o entra e sai gera tiros, tumulto, mortes, feridos, interrupção de aulas e de  serviços de saúde — e poucos resultados duradouros. 

Faz tempo, o médico Adib Jatene, então ministro da Saúde disse que o maior problema do pobre não era a falta de dinheiro, mas a carência de amigos. Falou que, da classe média pra cima, não é difícil ter contatos com profissionais qualificados, políticos importantes, com integrantes do universo jurídico. Com três ou quatro ligações telefônicas, dava pra se chegar em alguém relevante.

Numa comparação um tanto quanto grosseira, dá pra dizer que o mesmo ocorre com moradores de favelas, entre eles, alguns bandidos. Diferentemente dos meliantes de alto escalão, eles têm poucos contatos, ninguém do asfalto se importa muito com seu horror cotidiano e com a violência em que vivem (causada também por guerras entre quadrilhas).

Macaque in the trees
Polícia Federal aumenta o cerco nos bairros nobres em operações contra o tráfico de drogas. Escala de cor da pele mais clara no tráfico de drogas mostra hierarquia de quem manda e quem obedece. | Foto: Agência Brasil

Aqui mesmo no Rio, violência costuma virar notícia quando tiros escapam das favelas e chegam ao asfalto. A agressão — covarde, inadmissível — a um empresário em Copacabana serve mais como causa de indignação do que a maioria das mortes que ocorrem na cidade. Nestes casos, dá pra apostar que quase todas as vítimas são pobres, inclusive os policiais.

As operações da Polícia Federal que afetam os andares superiores e brancos da sociedade são fundamentais para o combate efetivo ao tráfico de drogas e armas digno desse nome e para a quebra de um paradigma vinculado a um preconceito que associa criminalidade apenas aos mais pobres. 

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