Por: Fernando Molica

Os padrinhos da milícia

Deputada é investigada por suposto envolvimento com milícia | Foto: Reprodução/Alerj

Apesar das evidências, não dá pra dizer que a deputada estadual Lucinha (PSD) é mesmo ligada a uma milícia carioca. Mas quem conhece um pouco da política fluminense aposta que, como dizia o ex-governador Leonel Brizola, algo há. Mais: se feita com rigor e independência, a investigação vai chegar a outros gabinetes.

Na maioria das áreas da cidade é impossível ter alguma atividade político-partidária sem ter, pelo menos, a tolerância de grupos criminosos.

Diferentemente do modelo por muito tempo adotado por traficantes de drogas que dominam favelas, a milícia nasceu na máquina pública, especialmente em setores da segurança.

Traficantes faziam acordos com políticos, negociavam algum tipo de proteção em troca de votos. Milicianos dispensaram intermediários. Conhecedores da estrutura de poder, foram, gradativamente, ocupando espaços, alguns acabaram eleitos para a Assembleia Legislativa e para câmaras municipais.

Não pediam votos para políticos profissionais, mas para eles mesmos: caso, entre outros, dos irmãos e  ex-policiais Jerominho e Natalino Guimarães — o primeiro foi vereador e, o segundo, deputado estadual. Donos de mandatos, milicianos passaram a ter condições de facilitar ou de dificultar a vida de prefeitos e do governador.

A lógica do toma lá-dá cá, tão presente no nosso universo político, forçou a ampliação de limites. Capazes de obter favores como nomeações para postos na administração pública, milicianos-políticos ampliaram e consolidaram seus poderes. 

Legitimados pelo medo que impõem a seus domínios e pelos favores recebidos de órgãos oficiais, ampliam suas bases, conseguem controlar boa parte dos votos de terminadas regiões da cidade, impedem operações que contrariam seus interesses. O fato de o Ministério Público Estadual ter acionado a Polícia Federal para ser sua parceira nesta operação indica a falta de confiança nas polícias fluminenses. 

Oriundos da estrutura pública, esses homens e mulheres têm acesso a informações não disponíveis para os bandidos entocados em favelas; são amigos de outros servidores, têm uma face legal e apresentável. Não são bandidos-bandidos, mas bandidos-políticos.

Como policiais, costumam chegar ao parlamento com o velho discurso de combate sem tréguas aos criminosos, que comporta variações ao "Bandido bom é bandido morto" popularizado pelo ex-policial e ex-deputado estadual Sivuca, identificado com grupos de extermínio.

Mas mesmo com tanto poder, esses bandidos só conseguem se eleger graças à tolerância e/ou parceria dos partidos políticos. Sem a aquiescência dessas agremiações, sequer poderiam disputar uma eleição. E não cabe a desculpa de ignorância sobre atividades ilegais de A ou B: no universo da política, todos sabem com quem estão lidando. Nesses casos, a convicção pode dispensar provas.

Ex-integrante do PSDB e agora filiada ao PSD, partido do prefeito Eduardo Paes e que tem três ministérios no governo federal, Lucinha é figura bem conhecida no Estado — ninguém pode dizer que sequer desconfiava de suas eventuais ligações com a milícia. A deputada, afastada do cargo por ordem judicial, era chamada de "madrinha" por milicianos. Agora é importante identificar também demais padrinhos e afilhados que se entrelaçam na família que reúne crime e poder.

 

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