Por: Fernando Molica

A clara em neve bolsonarista

A insistência na chamada agenda de costumes lembra o que o ex-governador Carlos Lacerda chamava de fazer "clara em neve", algo que tem muito volume e pouca consistência. | Foto: Freepik

A comemoração de deputados bolsonaristas à inclusão, no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, de emenda que proíbe o governo de destinar verbas para aborto e contrárias à  "família tradicional brasileira" reforça a estratégia da extrema direita de investir no medo.

Ao comemorarem a aprovação da emenda nas redes sociais, deputados como Eduardo Bolsonaro (PL-SP) — autor da proposta — e Bia Kicis (PL-DF) festejaram o novo sucesso da estratégia de levarem o jogo para o campo em que ficam à vontade.

Sabem que faziam um jogo para a própria torcida. O mais importante não era definir como o dinheiro público será utilizado para melhorar o país. Parafraseando o técnico Carlos Alberto Parreira, o gol  do crescimento econômico e da melhoria das condições sociais do país ficou sendo apenas um detalhe. A insistência na chamada agenda de costumes lembra o que o ex-governador Carlos Lacerda chamava de fazer "clara em neve", algo que tem muito volume e pouca consistência.

Essa jogada virou figurinha carimbada na extrema direita internacional, que se aproveita de uma perplexidade causada por mudanças de comportamento. Com isso, banalizam as conversar e fogem de temas complexos. Ao enfatizarem tradições religiosas e nacionalistas, os profetas da extrema direita levam seus fiéis para uma espécie de colo materno capaz de afastar o temor em relação a fantasmas que ameaçariam famílias. É como se dissessem algo como "passou, passou". 

Eles aprenderam que o importante é apresentar respostas simples, ainda que falsas, para temas delicados; lançam sucessivas bolas das costas de uma esquerda que muitas vezes se perde na problematização de questões como a violência urbana.

Dominam a estratégia de apontar um grupo político-social, étnico ou religioso como causa principal de todos os males. A culpa sempre é do outro, seja ele quem for — a história está cheia de exemplos disso. É bem mais fácil do que discutir crescimento econômico, desemprego e evasão escolar.

Eduardo Bolsonaro e seus colegas sabem que, muito provavelmente, o presidente Lula vetará a emenda que trata também de restrições a cirurgias de redesignação sexual, ocupação de terras e de imóveis urbanos. É provável que torçam para que o petista faça isso, o que reforçaria a ideia de mais uma batalha do bem contra o mal.

Ao enfatizarem a rejeição do que classificam de crime ou pecado, eles e tantos seguidores cultivam uma visão idealizada de suas próprias vidas e famílias, é como se criassem versões adocicadas para suas histórias pessoais. O conceito de família tradicional, por exemplo, foca na condenação à união entre pessoas de mesmo sexo, mas passa ao largo de divórcios e, quiçá, traições.

É razoável supor que o filho do ex-presidente, Bia Kicis e aliados tenham, ao longo da vida, sido informados de casos de aborto na própria família ou na de amigos ou vizinhos. Caso isso tenha ocorrido, eles foram à polícia denunciar o que consideram um homicídio? Fizeram o que certamente fariam caso ficassem sabendo de um assassinato? Se não tiverem agido assim, demonstraram que, apesar do que tanto dizem, não consideram que aborto e homicídio sejam equivalentes. Pouco importa, o fundamental é marcar posição e estimular a intolerância.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.