Por: Fernando Molica

Lula e o dragão do Centrão

Lula tem que enfrentar um dragão cada vez maior e mais forte. | Foto: Adobe Stock

Apesar de derrotas como a derrubada dos vetos ao marco temporal e ao bom-dia com chapéu alheio da desoneração fiscal, o governo termina o ano com vitórias importantes no Congresso. Aprovou a reforma tributária, a taxação das bets, o fim de subvenções federais a empresas beneficiadas por isenções estaduais, trocou o teto de gastos pele arcabouço fiscal.

Não é pouco para um presidente que começou o ano com minoria explícita na Câmara: a bancada de esquerda e centro esquerda têm cerca de 25% dos deputados. Mas os triunfos custaram caro. Lula teve que entregar ministérios importantes e a Caixa para o Centrão, liberou mais emendas parlamentares e viu reduzido seu programa de obras. Como o general Pirro, sabe que pode sucumbir diante de novos triunfos que exijam tantas perdas.

Ciente do seu poder — consolidado no impeachment de Dilma Rousseff e na imposição do caráter compulsório das emendas —, o Congresso se comporta com um dragão insaciável: como aquele enfrentado por São Jorge, não se contenta mais com ovelhas ou crianças.

Depois de tentar enrolar o dragão com os badulaques oferecidos em seus dois mandatos anteriores, Lula entendeu que o jogo havia mudado e foi obrigado a fazer concessões cada vez maiores. Pra piorar, desta vez ele encara um país dividido, praticamente metade da população prefere torcer pelo lagarto que cospe fogo na direção do Palácio do Planalto. 

Para preservar seu mandato, Jair Bolsonaro foi obrigado a parar de cantar o Pega Dragão, lembrou que chegara a desfilar na Unidos do Lança-Chamas. A diferença é que ele não demonstrou qualquer incômodo em passar o bastão para os novos aliados, é como se tivesse aproveitado o fogaréu para assar uma carne. 

Volta e meia os partidos do Centrão são definidos como conservadores, conceito que, no caso, carrega uma imprecisão. Eles estão longe de qualquer alinhamento com ideias de esquerda, mas não oram pelo evangelho liberal — procuram, principalmente, conservar o próprio poder, sabem dançar pra lá ou pra cá dependendo das ofertas dos parceiros. Não é à toa que mesmo deputados do PL têm votado com o governo.

Historicamente, políticos que formam a maioria no Congresso e desprezam compromissos ideológicos não sabem viver sem o governo. Mas, ao longo da última década, perceberam que poderiam faturar emendas mesmo na oposição e, mais importante, descobriram que, em caso de descontentamento com o Planalto, poderiam mudar o governo — fizeram isso quando acenderam a fogueira de Dilma e levaram Michel Temer para a Presidência numa espécie de eleição indireta.

Criado no movimento sindical, especialista na negociação, Lula sabe que não terá vida fácil. Políticos que antes queriam pegar carona nas iniciativas do governo hoje tratam de financiar os próprios projetos e obras, fazem seus próprios palanques.

As eleições municipais de 2024 serão particularmente complicadas para o governo que, na maior parte das cidades, verá esfarelada sua base adquirida com tantos sacrifícios. Lula tem experiência para saber que não vai dar para usar roupas e armas de Jorge para, assim, tentar derrotar o dragão. Vai, acima de tudo, precisar controlar o alcance das labaredas. Mas, escaldado pelo Mensalão e pelo Petrolão, sabe dos riscos que corre ao brincar com fogo.

 

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