Buracos brasileiros
A revelação, pelo IBGE, de que metade dos jovens pobres brasileiros entre 15 e 29 anos não estuda nem trabalha remete à tragédia causada pela Braskem em Maceió — assim como parte da cidade, o país ameaça cair nos buracos sistematicamente cavados ao longo de sua história.
A informação ilumina o passado, explica o presente e condena o nosso futuro. Explica as consequências da escravidão, da opção por um país excludente e desigual. Indica a razão de tanta falta de esperança, de buscas por alternativas muitas vezes desesperadas. De um modo geral, só fazemos besteira quando nos percebemos sem saídas.
Mais do que tudo, somos todos movidos por expectativas, sonhamos com uma vida melhor, mais tranquila, pacífica e confortável. É muito difícil para um jovem pobre vislumbrar qualquer alternativa quando ele olha em volta e percebe o desperdício de tantas vidas como a dele. Adolescentes muitas vezes negros, condenados a uma escola ruim, a uma moradia precária, à necessidade de gerar algum tipo de renda para ajudar a família. Não deixam de ter razão quando concluem que tudo está contra eles.
Não dá para citar a história do fulano que veio de família muito pobre, que vendeu chiclete no sinal, que estudava com livros velhos e que, apesar de tudo, conseguiu subir na vida. Casos e talentos particulares não podem servir como régua: nem todo mundo é Pelé, poucos de nós somos assim tão brilhantes e talentosos.
Não há culto à meritocracia que justifique o porquê de tantos nem-nem entre os mais pobres e de apenas 7,1% nas famílias mais ricas. Pior: o percentual de pobres nessa situação cresceu em dez anos (de 41,9% para 49,3%) e diminuiu entre os mais abonados (de 8,4% para 7,1%).
Não há como negar o racismo quando os números mostram que, entre todos os quase 11 milhões de jovens que não estudam nem trabalham, o contingente de negros representa 67,6%; o de brancos, 31,5%. Os dados se mostram ainda mais cruéis com as mulheres jovens e negras: elas são 43,3% desses brasileiros impedidos pelo próprio país de construírem suas vidas.
Outros números jogados na nossa cara mostram que o rendimento por hora de trabalho dos trabalhadores brancos era, no ano passado, 61,4% maior do que o dos negros. O recorte que compara os dois grupos por níveis de instrução mostrou que a diferença é maior entre os que concluíram uma faculdade: brancos ganhavam em média R$ 35,30 por hora; negros, apenas R$ 25,70.
A precarização do mercado de trabalho contribuiu para o agravamento da situação. Há dois anos, a participação da renda dos trabalhadores no PIB brasileiro foi de 39,2%, a menor desde 2010 (41,6%). Os números calam os que atribuem essa queda a uma mudança global no trabalho. Em 2015, o Brasil ocupava, entre os países da OCDE (grupo que reúne os países mais ricos) posição quando se levava em conta a participação da renda do trabalho no PIB. Caímos para 40º em 2020/2021. O fenômeno é coisa nossa.
Os dados apenas confirmam o que vemos pelas ruas, o tamanho da exclusão e a cor predominante da pobreza. Ao longo de cinco séculos, o Brasil se esmerou na abertura dos buracos que ilustram nossa injustiça e que já nos puxam para o fundo. De um jeito ou de outro, todos seremos sugados.