Paulo Gonet, a escolha conservadora de Lula

Ao escapar pela tangente de temas caros a progressistas e conservadores, Gonet irritou os dois lados, mas replicou um estilo de Lula, o de acenar para campos opostos, como ficou evidente na última Conferência do Clima.

Por Fernando Molica

Sabatina na CCJ do Senado do subprocurador Paulo Gonet, indicado para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR).

As respostas do procurador Paulo Gonet a perguntas sobre regime de cotas e direitos de homossexuais reforçam que, ao indicá-lo para a Procuradoria-Geral da República, o presidente Lula pensou mais em se resguardar de eventuais denúncias do que na defesa de teses tão caras a boa parte de seu eleitorado. 

Gonet relativizou as cotas: negou ter falado no risco de "racismo reverso", mas admitiu que usou a expressão "discriminação reversa" ao tratar de supostas consequências nefastas da reserva de vagas. Também defendeu o estabelecimento de prazos para as cotas, como se as consequências de quatro séculos de escravidão e racismo pudessem ser eliminadas em algumas dezenas de anos, num prazo a ser estipulado pelos legisladores.

Seu conservadorismo ficou ainda mais evidente ao responder a questionamentos sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo e a possibilidade desses casais adotarem filhos.

Também em resposta ao senador Fábio Contarato (ES), homossexual e líder do PT no Senado, Gonet evitou tratar desses direitos à luz do princípio de igualdade determinado pela Constituição.

O procurador procurou se ater à lei e assim escapar de direitos reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal com base numa leitura constitucional. Não defendeu a possibilidade de casamento, mas de um "reconhecimento" da união entre essas pessoas que vivem numa "unidade familiar". 

Declarou já ter dito que o "princípio da legalidade" poderia ser "estressado" — ou seja, questionado — pela decisão do STF de equiparar a homofobia ao racismo. Suas respostas embutem a possibilidade de negação de direitos plenos a cidadãos, pagadores de impostos, e de admissão legal de um preconceito.

Ao agir dessa forma, Gonet praticamente reduziu a função do Ministério Público a uma aplicação mecânica da lei, como se não houvesse zonas cinzentas e, mesmo, a necessidade de interpretação do que está escrito com base em princípios mais amplos.

A Constituição diz que cabe ao MP a defesa da ordem jurídica, mas também dos "interesses sociais e individuais indisponíveis". Cabe à Procuradoria-Geral da República atuar junto ao STF para ampliar direitos, não para restringi-los.

Gonet também irritou a direita ao se negar a responder sobre o inquérito das fake news que, com base numa filigrana e graças à inoperância ativa do então PGR, Augusto Aras, foi aberto pelo próprio STF. Essa decisão da corte foi muito questionada pelo próprio Ministério Público, mas Gonet preferiu se abster de opinar, alegou que não conhecia os autos — fugiu, portanto, de uma questão relacionada a um tema constitucional.

Ao escapar pela tangente de temas caros a progressistas e conservadores, Gonet irritou os dois lados, mas replicou um estilo de Lula, o de acenar para campos opostos, como ficou evidente na última Conferência do Clima. A capacidade de negociar fez com que o hoje presidente se destacasse na luta sindical e na política.

Como repetem os setores mais pragmáticos do PT, os partidos de esquerda são minoria no Congresso Nacional, precisam fazer alianças, ceder. O problema é quando essas concessões afetam direitos fundamentais, estabelecidos com base na Constituição e no processo civilizatório. Lula, até por sua experiência pessoal, tem o direito de escolher um procurador-geral da República de perfil discreto, que não atue mais como justiceiro do que como defensor da lei.

O presidente não deveria, porém, fazer com que esse objetivo ameaçasse direitos importantes e tão duramente conquistados; qualquer tergiversação nesses pontos tão sensíveis representa um atentado à cidadania dos grupos atingidos e, mesmo, ao futuro profissional e à vida de muita gente.