Por: Fernando Molica

Aliados brigam, Lula comemora

Gleisi Hoffman | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Lula deve estar feliz da vida com a troca de farpas entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR). Ao explicitarem suas divergências, ambos marcam posições e, principalmente, fortalecem a figura do árbitro, o próprio presidente.

Entre o fim de 1950 e o início de 1951, às vésperas de reassumir a Presidência da República, Getúlio Vargas (1882-1954) perguntou a um aliado se os empresários Horácio Lafer e Ricardo Jafet eram amigos. Soube que os dois se detestavam. Dias depois, o tal conselheiro se surpreendeu ao ver o primeiro escolhido para comandar o Ministério da Fazenda e o segundo, para o Banco do Brasil.

O sujeito voltou ao presidente, disse que não entendera a nomeação de dois inimigos para postos importantes. Vargas respondeu: "Se o ministro da Fazenda fosse amigo do presidente do Banco do Brasil, o que que eu iria fazer no governo?", explicou.

A lógica varguista é a mesma de Lula e a de outros governantes e administradores de empresas. É preciso estimular a divergência e, mesmo, a disputa pelo poder — desde que tudo esteja sob controle do chefe maior.

Haddad e Gleisi encarnam papéis complementares. Ministro da Fazenda, responsável por garantir uma espécie de crescimento sustentável, Haddad é o encarregado de conversar com empresários, de dobrar resistências dos presidentes da Câmara e do Senado a medidas um pouco mais à esquerda, como a taxação de fundos bilionários. Precisa ter um pé na canoa da direita para não perder a confiança de políticos e do tal do mercado.

Como presidente do PT, Gleisi tem a dupla função de jogar para a militância que reivindica um governo mais à esquerda e, ao mesmo tempo, impedir que essas críticas fiquem incontroláveis e ameacem o prestígio de Lula. Ela atua como se buscasse estimular e, ao mesmo tempo, controlar as chamas.

Ambos são imprescindíveis para Lula, que, assim, pode variar a intensidade do jogo pra lá ou pra cá. Isso também lhe permite analisar com maior precisão se, no rumo de 2026, o PT precisa ir mais para um lado ou para o outro.

O presidente sabe que muitos de seus votos vieram de eleitores que não suportavam a possibilidade de uma reeleição de Jair Bolsonaro e que não têm muita simpatia por propostas caras à esquerda. Mas Lula tem consciência de que não pode se esquecer daqueles que carregaram bandeiras vermelhas pelo país e que formam a base do PT.

Cabe a ele administrar os conflitos e tentar manter sob seu controle essas duas vertentes, pontas de icebergs ainda mais profundos e diversificados. Da mesma forma que não pode abandonar de vez o contraponto com Bolsonaro, o presidente também precisa se precaver diante da possibilidade — hoje, ainda remota — do surgimento de uma liderança de centro-direita capaz de roubar votos das duas principais tendências políticas de um país polarizado. O bolsonarismo e o petismo gostam de ser adversários.

Candidatos óbvios à Presidência, em 2026 ou 2030, Haddad e Gleisi tratam de definir posições, arrebanhar aliados e de disputar a preferência de Lula. Este, pragmático como sempre, vai demorar a se definir: de camarote, assiste às desavenças entre eles.

 

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