Por: Fernando Molica

Quinho, puxador de alegria no Sambódromo

Quinho passou por algumas escolas, mas consagrou-se como uma das mais marcantes vozes do Salgueiro | Foto: Divulgação

A comoção gerada no mundo do samba pela morte de Quinho revelou o carinho de boa parte da população por um artista que, como tantos, alegram e embelezam nossa vida com o maior e mais inacreditável espetáculo do mundo, o desfile das escolas.

Quinho, que atuou em diversas agremiações mas ficou identificado com o Salgueiro, pode ser em parte definido por versos de "Sambista perfeito", de Arlindo Cruz e Nei Lopes: "O sapato de cromo engraxado/ O sambista completo devia ser neto dos antigos bambas".

Pelo seu jeito de cantar e de se apresentar, encarnava um daqueles personagens que se destacam no Sambódromo, alguém que jogava pro time e para a arquibancada, que incorporou e renovou o sentido da palavra puxador, condenada pelo maior de todos, Jamelão.

Ex-policial civil, o cantor que por 54 anos foi a principal voz da Mangueira, implicava com a denominação atribuída aos que exerciam essa função no desfile. Dizia que era intérprete de samba-enredo, "puxador" era aquele que furtava carros. A bronca do mestre serviu para que fosse mudada a definição daquele que tem um papel fundamental na Avenida.

Quinho reconhecia o direito de Jamelão ser chamado de intérprete, mas que fora o mangueirense e alguns outros (como Neguinho da Beija-Flor e Dominguinhos do Estácio, que também fizeram carreira fora do Carnaval), ele e quase todos eram puxadores. 

Numa entrevista na concentração do Salgueiro, ele falou do porquê da diferença. Suas frases sobre os puxadores em geral embutem um protesto à maneira como sambistas são tratados a partir da Quarta-feira de Cinzas:

"Aparece uma vez por ano na televisão e já acha que é artista? Artista nada. Acabou aqui, a vida volta para o seu normal, cada um volta para o seu morro, a polícia dá geral", resumiu.

O que pode parecer conformismo ("Artista nada") é um alerta que traduz uma revolta — afinal, fora do Sambódromo, eles, quase todos pretos e pobres, voltariam para seus morros, tomariam dura da polícia. Quinho repetiu outro destino tão comum aos sambistas, morreu num hospital público (nada contra o SUS, plano de saúde de 70% dos brasileiros, mas vale o registro).

Quinho não tinha uma voz assim tão clara, mas que era potente como requer a função de puxador. Foi protagonista de alguns grandes desfiles, como o ainda hoje impressionante "Peguei um Ita no norte" (Salgueiro, 1993), um dos momentos mais arrebatadores vistos no maior palco do Carnaval.

Boa gente, bem-humorado, botafoguense (era presença constante na arquibancada, o vi por lá uma ou duas vezes), Quinho sabia que não lhe cabia apenas cantar, era preciso levantar a plateia, fazer com que cada um se sentisse protagonista. De microfone na mão, tratava, com seus bordões e expressões corporais, de criar uma conexão direta com público, que nele reconhecia um intérprete também de suas próprias alegrias, dores e esperanças.

 

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