Por: Fernando Molica

Novo efeito Orloff

Policiais rendem e algemam criminosos que invadiram estúdio de TV no Equador. | Foto: Policía do Equador/X

A situação no Equador permite que adaptemos para hoje um gracejo dos anos 1980, quando Brasil e Argentina se revezavam na aplicação de fracassados planos contra a inflação. O mote "Eu sou você amanhã", copiado de uma propaganda de vodca, era usado para mostrar que, em poucos meses, o fracasso deles chegaria aqui. Até economistas passaram a se referir ao "efeito Orloff", marca da tal vodca, para prever que aquela história de congelar preços era inútil.

Assim, de longe, dá pra dizer que a situação equatoriana é semelhante à mexicana que, por sua vez, tem pontos de ligação com o que ocorreu na Colômbia, onde reinou Pablo Escobar. Situações mais ou menos parecidas, com diferentes gradações, ocorrem em outros países do continente, inclusive no Brasil.

Até por razões de oportunismo político, muitos por aqui tendem a reduzir a questão da violência àquela que afeta o nosso dia a dia: assaltos, latrocínios, homicídios, tiroteiros; infindáveis, roteiras, sangrentas e quase sempre inúteis batalhas entre forças policiais e bandidos. O foco na árvore e não na floresta  viabiliza discursos simplistas que falam em combate sem tréguas, em guerra ao tráfico, em necessidade de se matar todos os marginais.

O uso e a repetição desses argumentos rendem votos e permitem que nada seja mudado — uma diminuição radical da violência seria terrível para esses supostos justiceiros, que perderiam suas fontes de renda e poder. Em qualquer lugar do mundo, polícia violenta costuma ser sinônimo de polícia corrupta. 

Ao nos horrorizarmos com o que ocorre no Equador e no México parecemos ignorar o que acontece por aqui, os tantos casos em que organizações tocam o terror no país.

Esqueçamos um pouco os bandidos que mandam nesse ou naquele morro carioca, nessa ou naquela quebrada paulista. É preciso olhar para as grandes empresas do crime, grupos que, assim como as modernas associações terroristas, têm organogramas ao mesmo tempo fixos e maleáveis, capazes de se adaptar a diferentes realidades e que espalham seus braços por diferentes áreas de atuação: tráfico de drogas, extração ilegal de madeira, garimpos clandestinos, extorsão de empresas, como o caso que a prefeitura do Rio acabou de tornar público. Tudo junto, articulado e misturado.

Esses grupos agem com a bênção de setores políticos, inclusive daqueles que tanto falam em matar bandidos. A associação entre tráfico de drogas e milícia no Rio é apenas a ponta de um mecanismo muito mais amplo; essas grandes organizações criminosas atuam como multinacionais presentes em diversos setores da economia. Aprenderam o segredo da diversificação, útil também para mascarar atividades ilegais e para viabilizar a necessária lavagem de dinheiro. Mandam e desmandam na maioria dos presídios, determinam se teremos dias mais ou menos pacíficos em nossas cidades.

O que ocorre agora no Equador não é por acaso. Está, evidentemente, ligado à pobreza e à falta de esperança dominantes nesse nosso pedaço de mundo, mas o acúmulo de poder dessas organizações só foi possível graças a uma espécie de joint venture com integrantes poderosos da máquina pública. Essas parcerias precisam ser quebradas enquanto temos tempo, se é que ainda temos como escapar da grave ressaca que acomete nossos vizinhos.

 

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