Por: Fernando Molica

O fígado complacente de Lula

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então prefeita de São Paulo Marta Suplicy no Palácio do Planalto em novembro de 2004. | Foto: J. Freitas/ABr

Ao escolher a ex-aliada e ex-adversária Marta Suplicy para representar o PT na chapa à prefeitura paulistana que será encabeçada por Guilherme Boulos (Psol), o presidente Lula reafirmou seu pragmatismo. Mostrou também ter fígado complacente, quase incapaz de remoer mágoas (Sérgio Moro é um caso à parte). 

Há algumas décadas, Lula provocou uma crise com Leonel Brizola ao dizer que ele pisaria no pescoço da própria mãe para ser presidente. Mas o petista, ao longo de sua carreira, revela ter um comportamento parecido com que atribuiu ao ex-governador. O sapo barbudo (apelido dado por Brizola) não esconde ser capaz de engolir os mais variados insetos para conquistar e garantir poder.

Demonstra confiar na própria figura e na devoção por ela gerada para buscar saídas que, a princípio inusitadas, têm se revelado acertadas do ponto de vista político-eleitoral. Em 2002, para quebrar a ideia de que seria um adversário do mundo empresarial, chamou para seu vice o industrial e senador José Alencar. 

Vinte anos depois, aceitou a conspiração dos hoje ministros Márcio França (PSB) e Fernando Haddad (PT) para levar o ex-adversário Geraldo Alckmin para ser seu vice. Agora, praticamente impõe Marta Suplicy, a ex-petista que rompeu com o partido, votou pelo impeachment de Dilma Rousseff e ainda levou flores para Janaína Paschoal, um dos principais nomes do processo de afastamento da presidente.

O engraçado é que a Marta de outrora não teria vaga, hoje, como vice de Boulos — sua então identificação com o PT não daria à chapa o equilíbrio, o chiaroscuro perseguido por Lula. Mas a ex-prefeita de São Paulo não está mais marcada pelo petismo que, nos últimos anos, passou a ser um retrato que ficava longe da parede. Fotografia que, agora, sai da gaveta, devidamente esmaecida.

Além de representar um aceno aos setores mais conservadores, Marta ameniza a imagem de Boulos e ajuda a repelir a ideia de que ele, ex-líder de ocupações do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, iria, como prefeito, comandar invasões de casas — um fantasma que assombra principalmente os mais pobres, que lutam muito para adquirir ou construir um imóvel.

A mensagem passada pela chapa é simples: rica, jeitão meio arrogante de quatrocentona tipicamente paulista, Marta Teresa Smith de Vasconcellos Suplicy jamais ficaria ao lado de alguém que poderia tentar tomar seus próprios bens.

O ponto principal é que Marta fez uma boa administração como prefeita, ainda que tenha sido derrotada por José Serra (PSDB) quando tentou a reeleição. Como ressalta o deputado Rui Falcão (PT-SP), ela deixou marcas como os escolões de tempo integral, a entrega de uniformes para os alunos e a criação do bilhete único — um ponto fundamental no momento em que o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), começa a testar a tarifa zero. Apesar da derrota, ela deixou o mandato com 49% de aprovação, segundo o Datafolha

Marta também empresta a Boulos a credibilidade de quem já ocupou cargos executivos e reforça a presença do candidato nas áreas mais pobres da cidade. Apesar do ranger de dentes de alas do PT e do Psol, o recente antipetismo da ex-prefeita representa um trunfo para a chapa. Lula, o pragmático, sabe disso. Ele vai pisar em qualquer pescoço para derrotar o bolsonarismo em São Paulo.

 

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