Por: Fernando Molica

A crueldade de ótimas escritoras brasileiras

Livros mulheres | Foto: FM

Talvez seja um um exagero, uma generalização que, como quase todas, tende a ser falha. Mas há tempos que vejo na literatura brasileira contemporânea produzida por mulheres uma crueldade — e isto é um elogio — que não percebo na que é feita por homens.

Uma crueldade menos aparente, mais implícita. Não que a mesma característica de dor que não sai no jornal seja ausente da produção literária masculina. Mas tenho sido nocauteado mesmo por livros escritos por mulheres.

Um dos adoráveis socos me foi dado por Alê Motta que, em seu "Velhos" (Reformatório), traz uma coletânea de histórias sobre idosos; narrativas curtas e densas que, no fundo, compõem um romance. Trata de solidão, afetos perdidos, limitações, de esperanças e expectativas.

Não há no livro recursos para produzir o que costuma ser chamado de sentimentalismo, uma vertente mais simples de se buscar uma ou outra lágrima. Seria razoável se falar em escrita solidária, capaz de revelar tantos segredos e amores.

Cíntia Moscovich é como boxeador que parece andar distraído pelo ringue. Impávida como Muhammad Ali, gosta de, como o ex-campeão, dançar no meio da luta, sorrir para a plateia, ironizar o adversário.

E é em meio a um desses bailes que ela desfere um golpe inesperado, daqueles que fazem balançar a cabeça do oponente. Sabe aquelas imagens que mostram uma tempestade de gotas de suor e captam o momento em que o protetor bucal voa? Foi assim que fiquei após ler "O brilho de todas as estrelas", que integra "Essa coisa brilhante que é a chuva" (Record), livro lançado em 2012 que comprei recentemente.

No conto, Cíntia narra uma quase não história de um homem que convive com uma ausência presente em cada canto da casa e do jardim, tudo com perfume de alfazema. Uma dor crônica, insolúvel, mas que nos chega de forma bela e sensível. Em "Uma forma de herança", ela atua de maneira oposta: entrega de cara a tristeza para, aos poucos, construir alguma possibilidade de alegria.

Maria Fernanda Elias Maglio já me levou a sucessivos tombos com narrativas equiparáveis a implosões. Contista e poeta premiada, ela estreou ano passado no romance com "Você me espera para morrer?" (Patuá).

Suas 182 páginas têm ser lidas com atenção e cuidado. Vá aos poucos, mas não deixe de ir. No livro, ela revolve umas poucas, decisivas  e terríveis passagens na vida de uma mulher. Histórias como as que acompanham cada um de nós ao longo dos anos, que sempre nos surpreendem, nos pegam pelo pé.

Aquelas que nos surpreendem em sonhos, em devaneios, que se intrometem até mesmo em momentos felizes. Histórias que, como a vida, não têm a expectativa de uma resolução, de um desfecho, de uma saída. Como cantou Sueli Costa, uma dor que não tem jeito, "Bobagem a gente tentar mais um copo/ Ela não vai passar". Fui jogado à lona, o árbitro nem precisou abrir a contagem.

 

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