Por: Fernando Molica

O exemplo do Aedes

Campanha de convocação de todos contra o mosquito. | Foto: Divulgação

Diante de mais uma tragédia derivada da chuva, é preciso aplicar a lógica do Aedes aegypti. Na década de 1980, revoltada com o jogo de empurra de governantes em torno da responsabilidade sobre a dengue, a médica Lúcia Arruda afirmou que o mosquito não era "federal, estadual ou municipal". Ou seja, o controle da doença que acabara de voltar ao país era uma responsabilidade de todos.

A história de passar a bola adiante voltou a ocorrer, cada nível de poder trata de dizer que determinado problema não é da sua alçada. Sim, existem determinações legais para definir funções de cada ente federativo, o problema é que, assim como o Aedes, o aguaceiro que transborda de rios entupidos e faz desabar pedaços de morros, não está nem aí para filigranas constitucionais. Mosquito e chuva não precisam de passaporte pra que possam ir de lá pra cá.

Da mesma forma que a preservação da Amazônia desperta a atenção de países distantes e a segurança pública virou tema de políticos de todas as esferas, é preciso que a  prevenção aos danos causados por temporais seja assumida por todos. O morador de Acari não quer saber se o gargalo em determinado ponto de um rio que gerou o caos está fora do território carioca. 

O prefeito Eduardo Paes (PSD) adora repetir como convenceu Dilma Rousseff a liberar o dinheiro para a construção de piscinões que amenizariam um dos mais tradicionais pontos de enchentes do Rio, a Praça da Bandeira, entre o Centro e a Zona Norte da cidade, caminho para o Maracanã, ponto de acesso ao Túnel Rebouças, ligação com a Zona Sul.

O prefeito alertou a presidente que seria um vexame internacional se houvesse um alagamento durante a Olimpíada. Pressionada, ela liberou a grana — Paes só tratou de não ressaltar que os Jogos ocorreriam no inverno, quando não costuma haver temporais. A grana saiu, a obra ficou pronta, a situação por lá ficou bem melhor.

Ao encampar a acertada luta pela reabilitação do Galeão/Tom Jobim, Paes ignorou que não cabia ao município definir rotas aéreas. Tratou de, da maneira correta, de politizar o caso, de mostrar que o abandono do aeroporto tinha graves consequências sociais e econômicas. No limite, tratava-se de algo que prejudicava o Rio e beneficiava outros estados (São Paulo, em particular).

O mesmo método precisa ser aplicado no caso das enchentes. Não vale dizer que o tal ponto de estrangulamento do Rio Acari fica sob uma rodovia federal, que saneamento é problema dos estados.  Ok, que pelo jeito, governos federal e do Estado do Rio não mandaram verbas  necessárias para concluir e modernizar um sistema de bombas que escoaria excesso de água numa região da Baixada Fluminense. Mas quando, nos últimos anos, algum prefeito ou governador ressaltou que haveria necessidade de concluir a tal obra? Em que rede social eles postaram que o sistema era essencial?

Mesmo que não tenham responsabilidade direta sobre determinada obra, prefeitos e governadores têm legitimidade política para cobrar de quem quer que seja. Todos têm a obrigação de cuidar de algo tão básico, que diz respeito à vida e ao patrimônio de tanta gente, de seus eleitores.

A necessidade de uma atuação sincronizada e/ou de cobranças públicas tem a ver com uma característica ainda mais relevante: a solução não virá de forma isolada, depende de um conjunto de intervenções relacionadas à melhoria geral das condições de vida da população.

O trabalho de evitar enchentes inclui dragagem de rios, saneamento básico, limpeza de ralos, construção de moradias dignas, preservação de matas e florestas. Tem a ver com cidadania. Tragédias como as enchentes não podem ser mais vistas como problema do outro, são problemas de todos nós, especialmente de quem é eleito para resolvê-los.

 

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