Por: Fernando Molica

O ódio a Marielle Franco

Vereadora teria sido alvo do espião | Foto: Renan Olaz/Câmara Municipal do Rio

Ao danificar imagens de Lula e de Marielle Franco, um frequentador de um bar carioca ressaltou algo grave. É razoável que muita gente deteste o presidente, mas é difícil entender o ódio direcionado a uma mulher assassinada. Negra, nascida e criada numa favela, ela conseguiu estudar, rompeu o ciclo de pobreza que prende a maioria dos brasileiros.

Marielle passou a ser hostilizada depois de morta, era desconhecida da grande maioria da população. Em 2016, quando conquistou seu primeiro e único mandato pelo Psol, recebeu 46 mil votos, muito pouco numa cidade de 6,5 milhões de habitantes.

Diferentemente de outros políticos, de esquerda ou de direita, sua curta carreira pública não foi marcada por embates. Era muito firme nas suas posições, mas não atuava de maneira agressiva ou provocadora. Mesmo que fosse briguenta, nada justificaria seu assassinato. 

Quatro dias antes de ser vítima de homicídio, ela compartilhara em redes sociais um protesto contra a violência de policiais militares na favela de Acari, cumpriu sua obrigação como parlamentar. Mas esse tipo de denúncia não era a principal marca de seu mandato, muito voltado para direitos de negros e pessoas LGBTQI . 

A possibilidade de um atentado que a tivesse como alvo era tão inimaginável que ela sequer tomava cuidados básicos com sua segurança — no evento pouco antes de seu assassinato, ela ficou de costas para a janela de um sobrado localizado num local no Centro do Rio que, à noite, é bem deserto.

Mais do que tudo, Marielle era uma cidadã, uma pessoa cuja carreira deveria servir de referência, independentemente de suas posições políticas. Ninguém precisaria concordar com suas propostas,  a democracia pressupõe a existência de necessárias divergências.

A votação até hoje obtida pelo Psol demonstra que o ideário do partido está longe de ser adotado pela maioria da população. Mas Marielle, assim como políticos de outras vertentes,  cumpria dignamente seu papel, não deveria haver motivos para ser assassinada nem detestada.

O homicídio de que Marielle foi vítima, porém, fez brotar uma explosão de ódio por parte de quem sequer a conhecida. Pessoas que, na maioria das vezes protegidas pelo covarde anonimato das redes sociais, passaram a divulgar uma série de fake news sobre o passado da vereadora.

A campanha difamatória diz mais sobre os agressores do que sobre a vítima. Ao despejarem tanta podridão sobre uma pessoa que sequer havia sido enterrada, aqueles que continuaram a assassinar Marielle revelaram seu compromisso com o de mais abjeto pode existir na sociedade. 

Tornaram-se cúmplices tardios dos executores da vereadora, que, como revelaram as investigações, tinham notórios compromissos com o crime organizado, com o jogo do bicho, com a milícia. Os algozes da reputação de Marielle revelaram também o quanto temem aqueles — principalmente, aquelas — que fogem a um destino de subordinação, que ousam assumir seus objetivos e desejos.

Os passos trôpegos do homem que, aparentemente bêbado, atacou as imagens expostas no bar, revelam o tamanho de sua insegurança, de sua insatisfação com a própria vida, de seu amargor, de seu medo, de sua revolta com a felicidade alheia. Os que até hoje cultivam a necessidade de detestar Marielle mostram o quanto se odeiam.

 

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