Por: Fernando Molica

A isenção de cada dia

Culto evangélico na Câmara dos Deputados | Foto: David Ribeiro/Câmara dos Deputados

Ao brigarem pela isenção de contribuição previdenciária sobre parte da remuneração de pastores, lideranças evangélicas seguem a bíblia do benefício fiscal que facilita a vida de milhões de pessoas físicas e jurídicas do país, laicas ou religiosas. 

O valor que o país deixou de arrecadar com contribuição que, em  2022, deixou de ser cobrada de religiosos foi estimado em R$ 300 milhões. Uma boa grana, mas apenas uma pequena parte das isenções concedidas desde sempre pelo Estado brasileiro. E o dinheiro que deixa de ser recolhido por A tem que ser reposto por B (no caso, os brasileiros não agraciados).

A Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) calculou que, em 2023, o governo federal abriria mão de receber R$ 568 bilhões. Entre os beneficiados estão pessoas jurídicas que pagam impostos pelo Simples, empresários que classificam como lucros e dividendos a maior parte dos valores que embolsam e a Zona Franca de Manaus. Em 2022, o agronegócio foi adubado com um alívio tributário de quase R$ 57 bilhões.

Entidades consideradas filantrópicas como muitos hospitais e universidades privados não precisam pagar a parte patronal à Previdência, mas isso não afeta a aposentadoria de seus empregados, que será paga do mesmo jeito. Se for mantida, a prorrogação da chamada desoneração fiscal a empresas de 17 setores vai representar, segundo o Ministério da Fazenda, um buraco de R$ 12,26 bilhões apenas em 2024. Graças a uma emenda aprovada pelo Congresso, cerca de quatro mil municípios também pagarão menos para o sistema que garante aposentadorias e pensões, um presentão estimado em R$ 11 bilhões.

Esses valores, de empresas e de prefeituras, deixarão de ir para a Previdência Social e terão que ser compensadas pelo Tesouro Nacional — ou seja, pelo dinheiro de todos nós. Claro que a necessidade de complementar o caixa previdenciário será  usada, daqui a alguns anos, para justificar uma nova reforma do setor.

Mas não vale só apontar o dedo só para outros: ao abatermos despesas médicas (inclusive com planos de saúde) e com educação no nosso imposto de renda também estamos jogando para a sociedade parte da conta de despesas particulares — isso, num país que, com todas as limitações, oferece assistência de saúde universal e ensino gratuito. Indo pra caricatura: faxineiros de hospitais particulares ajudam a pagar a internação dos que podem recorrer à rede privada. Despesas com saúde representaram R$ 24 bilhões em isenções em 2023.

Nas últimas décadas, a partir da Constituição de 1988,  entidades religiosas de diferentes segmentos vêm obtendo mais benefícios tributários, o que incluiu anistia de R$ 1,4 bilhão de dívida de igrejas.

Uma benevolência diretamente proporcional, aí sim, ao crescimento dos evangélicos, na sociedade e nos diferentes níveis de poder. O venha nós ao reino das isenções é, como sempre, bancado por todo mundo, inclusive pelos ateus.

Os beneficiados são capazes de arrolar argumentos favoráveis aos benefícios, mas a conta não fecha, e sempre aumenta. Quase todos — muito fortes na hora de pressionar governos e de fazer seus poderosos lobbies — dizem crer no Estado mínimo e liberal, mas, na hora H, não deixam de pedir o alívio de tributos e o perdão de dívidas. A penitência acaba jogada nos ombros da população.

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