Por: Fernando Molica

Não dá pra fugir da polarização

Ricardo Nunes quer, na campanha, baixar a bola, enfatizar o tema da gestão, falar menos de Brasília e mais de Sapopemba e daquelas incontáveis vilas com nomes femininos | Foto: Divulgação/Governo SP

Candidato a se manter no cargo, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), tem o direito de procurar tirar o caráter nacional da eleição de outubro. Mas ser difícil, na maior cidade do país e diante de tamanha divisão, convencer o eleitor que haverá uma disputa entre candidatos a uma espécie de síndico.

Não foi Jair Bolsonaro (PL) que inventou a polarização política depois da redemocratização: PT e PSDB já exerciam o nós contra eles desde, pelo menos, 1994. Mas os escândalos de corrupção revelados e inflados pela Lava Jato, as grandes manifestações, a crise econômica e o vendaval conservador que varreu boa parte do mundo transformaram o deputado radical do baixo clero num porta-voz da insatisfação, representante do contra-tudo-que-está-aí.

Bolsonaro soube montar o cavalo selado e rampante que passou à sua frente e levou a lógica do céu e inferno a um patamar inimaginável. A condenação e a prisão de Lula (PT) contribuíram para acirrar ainda mais os ânimos.

Nunes quer, na campanha, baixar a bola, enfatizar o tema da gestão, falar menos de Brasília e mais de Sapopemba e daquelas incontáveis vilas com nomes femininos que, de um modo geral, encarnam a pobreza presente na cidade símbolo da riqueza. Até porque, em 2022, na capital paulista, Lula teve uma razoável vantagem sobre Bolsonaro, provável fiador do atual prefeito — 53,54% dos votos válidos contra 46,46%.

Outro problema foi apontado pela recente pesquisa feita pela MDA, contratada pela Confederação Nacional do Transporte. Os dados precisam ser relativizados, os entrevistados são de todo o país, não apenas da cidade de São Paulo, mas indicam que apenas 15,7% dos ouvidos votariam num candidato apoiado por Bolsonaro ou que seja apoiador do ex-presidente. O percentual sobe para 33,5% no caso de Lula. Um dado interessante para Nunes é que para 33,3% o nome do padrinho é irrelevante.

Mas, nos últimos anos, o eleitorado foi bombardeado com uma polarização que, no limite, interessa a Bolsonaro e a Lula. Eles sabem que o fortalecimento de uma direita não extremista e de uma centro esquerda mais palatável — como o antigo PSDB — têm, em tese, possibilidade de ocupar um espaço preocupante no ringue onde hoje só cabem eles dois. 

Outros dados da pesquisa revelam que as diferenças na disputa política são bem visíveis em segmentos como classe social, religião, grau de instrução e região. Lula surfa entre os mais pobres, que completaram apenas o ensino fundamental, nordestinos e católicos, e tem mais problemas entre os que estão na outra ponta da vida brasileira.

Além do amor e do ódio a esse ou aquele personagem, há uma polarização mais profunda e ideológica, relacionada às condições de vida neste país tão desigual, o que demonstra uma tendência de manutenção dessa divisão por mais tempo.

É razoável que a maioria dos mais pobres vote em candidatos à esquerda e que os mais privilegiados prefiram políticos identificados com o liberalismo — e essa não é uma divisão mecânica, automática, cada um é dono do seu nariz e do seu voto.

A existência de diferentes visões ideológicas é ótima para a democracia, o problema é quando o diferente é tratado como inimigo — e, queira ou não Nunes, é o que, infelizmente, tem ocorrido no Brasil. É provável que essa divisão tão rígida seja diluída em cidades menores, mas é quase impensável que isso ocorra numa metrópole como São Paulo.

O apoio de Bolsonaro traz um dilema para Nunes: ao mesmo tempo em que carrega votos para a chapa, tira do candidato o discurso de moderação que certamente usaria para se contrapor a Guilherme Boulos (Psol), identificado como radical de esquerda. E o prefeito já deve ter percebido que, atualmente, não dá pra escolher entre ser ou não ser. 

 

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