Por: Fernando Molica

Um filmaço sobre vidas sempre presentes

Teo Yoo e Greta Lee em cena de 'Vidas Passadas', filme que recebeu duas indicações ao Oscar | Foto: Divulgação

Ao abordar o reencontro de ex-namorados de infância, o ótimo "Vidas passadas", filme da sul-coreana Celine Song, faz com que os personagens enveredem por uma arqueologia pessoal. Vistos com olhos sinceros do presente, os fatos pretéritos se mostram vivos, mas, reelaborados, ganham novos contornos e significados, indicam possibilidades de futuro. 

No longa-metragem, indicado ao Oscar de melhor filme e melhor roteiro original, os pais de Nora decidem trocar a Coréia pelo Canadá quando Nora, a protagonista, tinha 12 anos e cultivava o namorico com um colega de escola, Hae Sung. Adulta, a moça (interpretada por Greta Lee) muda-se para Nova York onde começa uma carreira de dramaturga.

Para facilitar a vida ocidental ela havia trocado de prenome, símbolo de uma identidade que se sobrepõe a outra. Nos Estados Unidos, Nora se casa com o namorado, o escritor judeu Arthur (John Magaro), que, ao lembrar sua origem étnica, também se coloca um pouco como imigrante. 

Tão bem ambientada na América do Norte, ela chega a esquecer o nome do ex-namorado, surpreende-se ao saber que Hae Sung (Teo Yoo na fase adulta) a procurara, e trata de entrar em contato com ele, 12 anos depois de sua saída da Coréia. Descobre que o rapaz a buscara por todo esse tempo, mas suas tentativas haviam esbarrado na tal troca de nome.

Pela internet, eles começam uma espécie de namoro virtual, que termina quando Nora percebe que ele continuava preso a valores da sociedade coreana, não topava o desafio de ir vê-la em NY. No filme roteirizado e dirigido por uma mulher, a iniciativa e o olhar são sempre delicados e femininos.

Mais 12 anos se passam e um ainda esperançoso Hae Sung decide, enfim, visitar Nora. É quando eles se reencontram, e também redescobrem e reavaliam suas histórias de vida. Nora percebe que, apesar dos 24 anos no Ocidente, sua identidade original não fora sepultada, era também uma garotinha coreana. 

Ao longo de "Vidas passadas", fala-se sobre um conceito coreano — In-Yun — uma espécie de destino, algo que regula desde um simples esbarrão com um desconhecido até um casamento, mistério que vai além de uma só vida. Mas o filme passa longe de qualquer determinismo, até porque não trata de heróis ou vilões: é impossível torcer para que Nora fique com Arthur ou com Hae Sung, os dois são caras legais.

Ela, depois de constatar a presença de suas vidas passadas, percebe, como qualquer um de nós, ser resultado de suas histórias e de suas escolhas. Como indica o In-Yun, há sobreposição de camadas — o que às vezes gera terremotos. O filme termina, mas a vida dos personagens continua, um novo desafio sempre há de pintar por aí.

 

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