Por: Fernando Molica

Carlos: o caminho que leva ao Pai

Carlos e Jair Bolsonaro | Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

A operação de ontem da Polícia Federal contra o vereador Carlos Bolsonaro remete a versículos do Evangelho Segundo João (14,6-7): "Ninguém vai ao Pai a não ser por mim; Se me conhecêsseis, conheceríeis também meu Pai". 

Até outubro, governistas apostavam que os maiores problemas judiciais de Jair Bolsonaro estavam ligados à tentativa de golpe que culminou com o 8 de Janeiro. Mas vieram à tona investigações sobre o suposto envolvimento do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) num esquema de espionagem ilegal no tempo em que ele era diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência.

A PF recolheu evidências de que a família Bolsonaro foi beneficiada pela arapongagem privada feita por órgão oficial, mas ainda há muito a ser provado. De qualquer forma, esta investigação tende a ser mais delicada para o ex-presidente do que a relacionada à intentona. 

No caso da tentativa de virada de mesa institucional é preciso, pelo menos por enquanto, ligar pontos para se estabelecer a participação de Bolsonaro no processo que eclodiu em 8 de Janeiro de 2023. Há evidências como a pregação feita por ele em diversas ocasiões, a campanha descabida contra as urnas eletrônicas, a incitação e instrumentalização das Forças Armadas, as reiteradas citações ao respeito às quatro linhas que tratou de redesenhar na Constituição. 

A leitura política é clara ao delinear a tentativa de Bolsonaro de fazer com que as linhas ficassem curvas, cheias de omissões e de atalhos. O problema seria provar, num processo criminal, que os arroubos e medidas tomadas por ele e por auxiliares tinham o objetivo de asfaltar a estrada do golpe.

Agora a situação é diferente. Seria quase impossível para o ex-presidente afirmar desconhecer a eventual montagem por Ramagem, policial de fé, irmão camarada, de esquema para vigiar e comprometer aqueles considerados inimigos do Palácio do Planalto.

Houve uma escalada que não poupou sequer o armazenamento de dados da procuradora do Rio de Janeiro que coordenava, no Ministério Público, a investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Mesmo que não apareçam evidências cabais da concordância de Bolsonaro com o o sistema clandestino, seria impossível negar a ligação com Ramagem. Pior: não pode jogar tudo nas costas do filho Carlos, CEO de um sistema de informações e de contrainformações decisivo para a vitória em outubro de 2018. Não dá pra imaginar um Carlos crucificado, perguntando o porquê de ter sido abandonado pelo pai.

Não se pode descartar o estímulo direto de Bolsonaro e de aliados — como chefes militares — na articulação golpista, mas, até agora, o mais evidente é a omissão, uma passividade ativa por parte dos que deveriam zelar pelas instituições: um fechar de olhos seguido ou precedido de uma piscadela cúmplice.

Já no caso da espionagem vai ser difícil provar que o Planalto não estava por trás do esquema. Neste caso, a PF indica aplicar a lição que trata da melhor forma de comer o mingau, das bordas para o centro. Foi assim que os policiais conseguiram fazer busca e apreensões numa propriedade do ex-presidente sem que tivessem uma ordem direta contra Bolsonaro. Numa inversão do que ocorreu na posse de 2019, quando Carlos se aboletou no Rolls-Royce oficial, desta vez foi Bolsonaro que se viu na carona, e numa posição bem desconfortável.

Como ensinado por Jesus, foi pelo filho que a PF chegou ao pai. Uma citação bíblica que, de forma irônica, vem do mesmo evangelista que registrou o versículo predileto do ex-presidente, o "Conhecereis a verdade e a verdade fará de vós homens livres". A depender das investigações, a verdade poderá, no limite, tirar a liberdade do ex-presidente.

 

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