Por: Fernando Molica

Ironia desnecessária e perigosa

Postagem do governo ironiza operação contra Carlos Bolsonaro | Foto: Reprodução

As mensagens do governo federal em redes sociais comemorando e ironizando a operação contra Carlos Bolsonaro reforçam que a história de união e reconstrução não passa de um slogan: na prática, Lula trata de enfatizar a polarização, Jair Bolsonaro é seu malvado favorito — e vice-versa.

O presidente, que teve sua condição de condenado e preso explorada de maneira agressiva pelo antecessor, tem o direito de tirar proveito político-eleitoral dos problemas que envolvem a família do adversário. Mas seria bom separar mensagens governamentais das partidárias: não haveria qualquer problema se os posts da última segunda-feira tivessem sido publicados no site do PT.

Ao permitir a ironia produzida com dinheiro público e veiculada em espaços oficiais, Lula repete um dos principais pecados de Bolsonaro, o de achar que governava apenas para os seus eleitores. Uma visão anti-republicana que ignora um fato básico: até os salários de presidentes e ministros são pagos com o dinheiro de todos, dos que gostam e dos que não gostam de quem está no poder.

Lula e Bolsonaro não inventaram a polarização, algo recorrente em democracias. O ex-presidente, porém, estimulou essa condição ao paroxismo, até por uma questão básica: em condições razoavelmente normais, ele, um radical, jamais chegaria à Presidência.

Bolsonaro pode ser acusado por muitos atos e omissões — alguns, de viés criminal —, mas ninguém pode dizer que ele mudou depois de chegar ao Palácio do Planalto. Foi talvez o presidente mais parecido com o candidato de toda a história republicana, não enganou ninguém.

Ele, que não consegue fugir do papel de extremista, sabe que precisa manter a temperatura elevada para continuar como um dos protagonistas do processo político. Alimenta e é alimentado pelo comportamento de seguidores que agem como se estivessem na plateia de uma daquelas lutas de MMA. Bolsonaro perderia a condição de líder de tanta gente caso o país vivesse um período mais pacífico, ninguém acreditaria num Jairzinho Paz e Amor.

Mais hábil, Lula, desde os tempos de sindicalista, guarda no armário o macacão de operário, o jeans e a camiseta do militante de esquerda tradicional, o blazer da social-democracia e o terno elegante da conciliação. Ao longo de sua carreira de mais de 40 anos, soube variar as roupas e o discurso, sempre deixando claro que ele era o traço de união entre os diferentes figurinos.

Tem certeza de que ter Bolsonaro como principal adversário é o que melhor pode desejar, o ex-presidente é mais radical do que ele em qualquer aspecto. Ainda desgastado pelas acusações que serviram também para legitimar o preconceito contra ele e contra políticas de inclusão que estimulou, Lula não ousa imaginar que terminará um governo com 80% de aprovação.

Sabe que foi eleito por uma margem pequena de votos e, em boa parte, graças ao comportamento de Bolsonaro. Talvez não tivesse voltado para o Planalto se seu adversário demonstrasse um mínimo de equilíbrio.

Mas ele deveria medir as consequências de alguns de seus gestos. Ao sapatear sobre uma desventura da família Bolsonaro seu governo anima a própria militância, mas também colabora para aumentar o ódio daqueles que o rejeitam. Não é razoável que tenhamos mais eleições marcadas pela raiva e por mortes.

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