A história recente do país mostra que se alguém gritar "Pega Centrão", o ocupante do Palácio do Planalto e candidatos à cadeira presidencial vão correr para chegar primeiro, agarrar e adular a presa. Apesar das queixas, ninguém quer deixar escapar o grupamento que é referencial na política brasileira.
É assim com Lula, foi do mesmo jeito com Jair Bolsonaro, Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso (Fernando Collor não conta, ele fazia parte do grupo). A blague do general Augusto Heleno em 2018 — paródia do samba "Reunião de bacana", de Ary do Cavaco e Bebeto Di São João — é engraçada, mas não há presidente que bote o Centrão pra correr. Todos querem ou precisam rezar no altar dos que há algumas décadas foram chamados de "franciscanos" — a definição vem uma sacada do então deputado Roberto Cardoso Alves, que recorreu à bela oração de São Francisco para sintetizar a profissão de fé do Centrão: "É dando que se recebe".
Daí que não adiantou o general fazer a brincadeira: na hora do pega pra cassar, senhores, doutores, magnatas, fardados e o próprio Bolsonaro foram pedir bênção dos que, graças ao voto popular, definem os rumos do Parlamento. A liderança do Centrão ainda quebrou o galho do então presidente, o livrou da chatice de governar o país e permitiu que ele ficasse livre para correr pro abraço no cercadinho do Alvorada.
Apesar da irritação com mais um dá ou desce proferido por Arthur Lira, o recente tour de Lula pela Baixada Fluminense mostrou que o petismo, ainda mais depois do impeachment de Dilma, não abre mão do pragmatismo. Não vacila em bater cabeça para aqueles que, na época da fundação do PT, não poderiam nem pisar na calçada do partido que o ex-governador Leonel Brizola chamava de "udenistas de macacão e tamancos" — referência à UDN, partido que, no período anterior ao Golpe de 1964, foi marcado pelo discurso anticorrupção.
É lugar-comum repetir que na política é preciso ter goela larga e estômago forte, a legítima e necessária luta pelo poder não pode ser equiparada a uma busca por um lugar no Céu. A complicada configuração político-partidária brasileira complica ainda mais a situação, nossos partidos são razoavelmente novos, poucos têm posições firmes sobre assuntos mais gerais.
Ocorre aí uma espécie de confluência de expectativas: a grande maioria da população também não tem uma clara tendência ideológica, não se define como de esquerda ou de direita, quer apenas uma vida melhor. Essa indefinição favorece partidos que não defendem nem isso nem aquilo, vão pra lá e pra cá de acordo com o momento político e com suas conveniências.
A ausência de um norte fixo permite que os partidos do Centrão apontem as agulhas de suas bússolas para várias direções e consigam surfar em ondas que surgem no revolto mar brasileiro — ora prezam por mais investimentos sociais, ora alardeiam o compromisso com valores de caráter moral. Seguram na mão do poder, e vão.
Experientes, sabem cultivar recursos públicos que quase sempre lhes garantem farta colheita de votos, o que colabora para mantê-los em cena — o Centrão controla cerca de metade dos votos da Câmara. Volta e meia um ou outro deputado cai em desgraça, mas a reposição de quadros é imediata e tão previsível quanto os pedidos de apoio do governante de plantão.