Uma armadilha eleitoral

Por Fernando Molica

Câmara manda um recado explícito de quem está no controle

Os sucessivos e cada vez maiores perrengues de presidentes da República com a Câmara indicam que, em 2026, partidos não vão mais poder encarar a eleição de deputado federal apenas como passaporte para mais verbas e maiores fatias de tempo de rádio e TV.

Por sua vez, a possibilidade de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal reforça a importância da escolha dos futuros senadores — daqui a dois anos, haverá renovação de dois terços da Casa.

Na lógica presidencial que vinha sendo mantida, ainda que aos trancos e barrancos, fundamental mesmo era eleger o ocupante do Palácio do Planalto. Fazer boas bancadas na Câmara e no Senado era importante, mas havia absoluta confiança na capacidade de o futuro presidente conquistar as necessárias maiorias, bastava distribuir ministérios, estatais e verbas para seduzir parlamentares.

Ao mandar Dilma Rousseff para casa e ao ameaçar fazer o mesmo com Michel Temer e Jair Bolsonaro, a Câmara mudou o jogo. O ou-dá-ou-desce passou a ser verbalizado do prédio do Congresso Nacional. E tome de emendas parlamentares de execução compulsória, uma espécie de monstro insaciável que sempre pede mais uma rodada de picanha no rodízio.

A mudança influenciou até mesmo o peso de ministérios — o de maior orçamento de todos, o da Saúde, ainda é muito cobiçado, mas antigos patinhos feios ganharam importância: uma pasta é tão boa quanto sua capacidade de receber emendas parlamentares. 

O toma lá-dá cá mudou de patamar, votos no Congresso não são mais conquistados na base do sonho de valsa ou um corte de cetim. Um candidato a presidente não pode mais se dar ao luxo de se concentrar na própria eleição e esquecer daqueles que, em caso de vitória, garantirão sua possibilidade de governar.

A evolução das leis eleitorais colabora, de maneira até aparentemente contraditória, com a formação de bancadas menos heterogêneas. O fim das coligações para eleições proporcionais — para deputados e vereadores — impede alianças esdrúxulas.

Mas, para conquistar apoios e tempo de propaganda, aqueles que buscam a Presidência e governos estaduais são obrigados a pedir votos para candidatos a deputados de diferentes e, muitas vezes, antagônicos partidos. Para garantir acordos, Lula não poderia ressaltar apenas a necessidade de garantir a eleição de petistas ou de filiados a partidos que integram a sua federação. Da mesma forma, Jair Bolsonaro não teria como falar apenas nos correligionários do PL.

O resultado é que o eleito à Presidência chega ao Planalto com menos de 20% de apoio na Câmara; e precisa de pelo menos 50% para ter um mínimo de governabilidade. Pior é que, na grande maioria dos casos, a conquista de base majoritária não passa pelo campo ideológico, não permite concessões com base em princípios republicanos.

O que conta mesmo são as vantagens que serão dadas em troca do voto no Congresso. O fato de pelo menos a metade da Câmara não ter qualquer compromisso programático ou ideológico facilita o mercado de compra e venda — o estatizante de ontem pode ser o privatista de amanhã, e segue o baile.

O presidencialismo de coalizão deu lugar a um semipresidencialismo ou presidencialismo de cooptação. A mudança dessa lógica seria complicada, demandaria medidas como a adoção de sistema misto para a eleição de deputados e mecanismos de fortalecimento de partidos. Como isso é difícil de acontecer, o jeito é ressaltar pro eleitor que não adianta votar no seu candidato a presidente favorito e num deputado que vai infernizar a vida do eleito.