Bate-boca e a crise dos militares

Por Fernando Molica

Ciro Nogueira, ainda que sem citar nomes de ex-comandantes que acusaram Bolsonaro de tentativa de golpe, usou palavras e expressões como 'criminoso inconteste', 'caluniador', em 'honrar seus pijamas'.

O bate-boca entre o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o tenente-brigadeiro do ar da reserva Carlos Baptista Junior, ex-comandante da Aeronáutica, ilustra bem o tamanho da besteira cometida por militares ao mergulharem na política.

Se tivessem ficados quietos, cuidando de suas funções constitucionais, esses funcionários públicos fardados teriam poupado o país e as Forças Armadas de uma coleção de problemas e de constrangimentos: alguns oficiais-generais que até outro dia ostentavam quatro estrelas nos ombros não estariam ameaçados de cadeia.

É impressionante que, passados 135 anos do golpe militar que acabou com o Império e que inaugurou uma série de intervenções militares na política, militares insistam em se meter onde não devem. Estiveram presentes, como protagonistas, em praticamente todas as crises institucionais da República.

O fato de que todas terminaram sem punição para os golpistas ajuda a entender a razão dessa incômoda presença: uma rotina que, espera-se, seja interrompida com a apuração, julgamento, condenação e prisão de todos os envolvidos na tentativa de quartelada bolsonarista.

Militares são aqueles para os quais a população fornece educação, salários, fardas e armas com o objetivo de que tudo seja empregado na defesa do país. Como qualquer democracia, o Brasil é feito de diferentes vozes, muitas vezes contraditórias, cada um pensa de um jeito. Como quase nunca é possível se extrair um mínimo denominador comum, é preciso fazer eleições, respeitar o desejo da maioria sem oprimir a minoria.

Com o devido respeito às regras do jogo, esse processo é feito sem muitos dramas, ora o país vai mais para um lado, ora para o outro. O que não se pode é cultivar a ideia de inimigo interno; não dá para transplantar para o campo da política conceitos militares de aniquilação de adversários nem, muito menos, padrões religiosos de céu e inferno.

Formado na esteira do positivismo, que estimulava a participação de militares na política, o Exército brasileiro ainda guarda resquícios de uma preocupação maior com atividades intelectuais e civis do que com aquelas ligadas aos combates. 

A quase ausência de conflitos externos que requeiram movimentação de tropas e a inexistência de problemas fronteiriços acabam gerando problemas para militares que, na prática, acabam como atores que ensaiam, ensaiam, ensaiam — e jamais estreiam.

Convencidos de que fazem parte de uma elite intelectual capaz de ditar os rumos do país e com tempo de sobra para conspirar, militares viraram protagonistas de sucessivas tentativas de viradas de mesa, um uso de cachimbo que mantêm tortas muitas de suas bocas.

A sede de poder e de vingança em relação ao partido que, no governo, criou a Comissão da Verdade era tamanha que comandantes militares abraçaram a candidatura presidencial de um ex-oficial que, na ativa, dera sucessivas demonstrações de indisciplina e de quebra de hierarquia.

Durante o mandato de Jair Bolsonaro, as Forças Armadas cumpriram o destino de a tropa refletir seu chefe: oficiais revelaram desorganização, fragilidade institucional, incompetência e uma absoluta leniência com abusos e crimes. Foram salvas, na hora final, pela decisão dos comandantes do Exército e da Aeronáutica de não aderirem ao golpe — esses mesmos oficiais-generais, porém, tinham demonstrado tolerância e, mesmo, parceria com alguns desmandos do então presidente.

No X, ex-Twitter, Ciro Nogueira, ainda que sem citar nomes de ex-comandantes que acusaram Bolsonaro de tentativa de golpe, usou palavras e expressões como "criminoso inconteste", "caluniador", em "honrar seus pijamas". Que suas suas ofensas não sejam esquecidas, e sirvam de alerta em caso de novos e irresponsáveis devaneios golpistas.