Os desfiles que me guiaram em Belém
O Salgueiro, a Estácio de Sá e a Portela e atuaram como meus cicerones numa recente visita a Belém. Graças ao samba, desde o início da minha adolescência que a capital do Pará não estava assim tão distante, já fazia parte do meu imaginário, não me era completamente desconhecida.
O Salgueiro, a Estácio de Sá e a Portela e atuaram como meus cicerones numa recente visita a Belém. Enredos levados para a Avenida por essas grandes escolas na década de 1970 é que me apresentaram a Eneida de Moraes, ao Círio de Nazaré e ao muiraquitã, pedra almejada por Macunaíma.
Graças ao samba, desde o início da minha adolescência que a capital do Pará não estava assim tão distante, já fazia parte do meu imaginário, não me era completamente desconhecida; o mesmo ocorre com tantas outras cidades, fatos históricos e manifestações culturais e religiosas do Brasil e do mundo.
Em 1973, o Salgueiro desfilou em homenagem à paraense Eneida (1904-1971), jornalista, escritora, militante comunista, entusiasta do Carnaval: "Suas crônicas são imortais/ Foi amiga dos sambistas/ Fatos que não esquecemos jamais", diz o samba de Geraldo Babão e Valdevino Rocha. Até hoje, muita gente só sabe de Eneida graças ao desfile que levou a escola tijucana ao terceiro lugar.
Dois anos depois, a Estácio, então Unidos de São Carlos, apresentou para muita gente uma das maiores festas brasileiras, a homenagem que, no mês de outubro, em Belém do Pará, é feita a Nossa Senhora de Nazaré. Em torno da Matriz, eu cheguei a ver, na praça vazia, as barraquinhas com seus pregoeiros, as moças e senhoras do lugar que três vestidos fazem pra se apresentar.
A música que não saía da minha cabeça não eram os cânticos entoados na missa, mas o samba de Dario Marciano, Aderbal Moreira e Nilo Mendes que, em 2004, voltaria a ser cantado pela Viradouro. Ao olhar para a imagem lá no alto da Basílica, imaginava a santa na berlinda em que é conduzida pelas ruas de Belém.
No Museu do Encontro, dentro do Forte do Presépio, fui embalado pelo samba da Portela também de 1975 e que, ao homenagear o romance de Mário de Andrade, falava da busca do herói de nossa gente para recuperar o talismã que lhe fora presenteado por Cy, rainha mãe do mato e que fora parar indevidamente nas mãos do inimigo. "E derrotando o gigante/ Era uma vez Piaimã, Macunaíma volta com a muiraquitã".
A canção de David Correa e Norival Reis serviu de trilha sonora assim que me deparei com algumas belíssimas muiraquitãs, pedras esverdeadas e delicadamente esculpidas. A referência ao desfile da Portela — em 1975 eu não havia lido o livro — aumentou a beleza dos amuletos e minha proximidade com as pessoas que há tanto tempo os criaram.
Ao levar essas e outras histórias para seus desfiles, as escolas apresentam o Brasil ao Brasil, recuperam para o presente e lançam para o futuro elementos que ficam ainda mais vivos, abertos ao carinho, à devoção e, mesmo, ao questionamento.
Enredos apresentados há cinco décadas voltaram a desfilar na memória, à sombra das lindas e imponentes mangueiras de Belém. Não dá pra medir o poder desse processo de transmissão de conhecimento e de geração de empatia.