Por: Fernando Molica

Fake news e terrorismo

CT do Inter alaga após chuvas | Foto: Reprodução X/ @bibianabolson

Quem produz e dissemina fake news atua como o terrorista que se aproveita da liberdade de ir e vir para espalhar bombas que matam inocentes. A falta de regulamentação das redes sociais e a não responsabilização dos culpados estimulam os criminosos.

É provável que, nos últimos dias, pessoas no Rio Grande do Sul tenham morrido em consequência de mentiras espalhadas por gente empenhada em atrapalhar o socorro a vítimas. Isto, para reforçar sua necessidade de gerar adesão a um projeto político baseado no ódio. Imoderáveis, sabem que precisam da radicalização para viver.

No momento de uma tragédia tão ampla, qualquer desinformação tem potencial para atrapalhar os trabalhos de salvamento. A divulgação mentirosa de que órgãos públicos estariam pedindo notas fiscais para liberar doações de alimentos ou de remédios certamente contribuiu para arrefecer o ânimo de cidadãos dispostos a sair de suas casas para entregar contribuições. Os parlamentares que ecoaram essas inverdadades, em redes sociais ou em plenários, precisam ser submetidos aos conselhos de éticas de suas casas legislativas.

É inadmissível o caso do sujeito que, fingindo-se de voluntário, entrou num depósito de água e alimentos e mentiu ao dizer que nada daquilo estava sendo distribuído para pessoas sedentas e famintas. E o que dizer dos que espalharam que a água de carros-pipas fornecida a hospitais de Porto Alegre estava com urina? Ao divulgarem que jet skis e barcos particulares utilizados no socorro estavam sendo multados, bandidos que atuam no anonimato de suas tocas agiram como os que, em rodovias, jogam pedras em carros para provocar acidentes e fazer assaltos.

Num país que leva tão pouco a sério sua estrutura de defesa civil, militares são fundamentais em momentos de tragédia. Desclassificar sua atuação tem um objetivo ainda maior do que desgastar o governo federal, é uma forma de vingança pelo fato de a maioria dos comandantes militares não ter embarcado na intentona que culminou com o 8 de Janeiro. Estas fake news servem também de alerta tardio para os fardados que foram cúmplices da tentativa golpista — eles alimentaram os monstros que hoje os ameaçam e difamam.

Sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 2016, a lei brasileira classifica de terrorismo apenas atos motivados por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião — nenhuma dessas condicionantes pode, em tese, ser identificada agora no Rio Grande do Sul. Os legisladores tiveram o cuidado de não permitir que questões ligadas à luta política fossem também chamadas de terroristas.

Mas um dos artigos relaciona, entre práticas terroristas, a utilização de "mecanismos cibernéticos" e o "controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação". Ou seja, métodos como os usados pelos fabricantes de notícias fraudulentas estão citados na lei.

Advogado e professor de direito penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Juarez Tavares citou que não há tipificação legal para fake news, mas ressalta que isso não significa impunidade. Afirma que autores/disseminadores dessas mentiras podem ser condenados caso a mentira por eles propagada tenha causado mortes e outros danos. E vale lembrar que injúria, calúnia e difamação são crimes.

É fundamental apurar os responsáveis por essas falsidades que sabotam o socorro, que matam gente e que envenenam o país. Esses criminosos precisam ser identificados, processados, condenados. A sociedade brasileira não pode continuar refém de executivos de gabinetes de ódio que, principalmente desde 2018, atuam livremente por aqui. Quem usa a liberdade para colocar bombas, físicas ou virtuais, tem que ser punido, até para garantia da própria liberdade.