Por: Fernando Molica

Chuva precisa irrigar campanhas

Chuvas constantes têm provocado enchentes no RS e elas precisam irrigar campanhas políticas nas Eleições 2024. | Foto: Reprodução

A eleição municipal que ocorrerá em meio ao rescaldo da tragédia gaúcha será uma ótima oportunidade para que políticos se vejam obrigados a deixar de lado abstrações e tratem de problemas reais, como a proteção objetiva e concreta das famílias.

A enchente mostra que palavras genéricas, contaminadas por discursos ideológicos de nada valem no momento em que milhares de pessoas têm suas vidas destruídas pela força da água, pelas mudanças climáticas e pela omissão de autoridades. As imagens das cidades arrasadas afogam os argumentos dos que priorizavam as famílias apenas nos palanques e redes sociais.

A catástrofe que assola o Rio Grande do Sul deverá também arrebentar os diques que, construídos por candidatos e partidos, tentam manter a discussão ambiental e a proteção das cidades fora das campanhas eleitorais.

Como a coluna Bastidores mostrou ontem, nem mesmo em Porto Alegre, cidade muito vulnerável a inundações, o assunto foi tratado como prioridade na última eleição para a prefeitura, em 2020. A tendência é de que, agora, a situação seja bem diferente: o primeiro turno será a menos de cinco meses.

Tratar do meio ambiente das cidades vai muito além de construir ou manter esse ou aquele parque. O que está em jogo é a sobrevivência da população e a própria viabilidade desses locais.

As consequências do aquecimento global reforçam a inviabilidade do um modelo de crescimento de nossas cidades, sustentado pela exclusão. Fórmula que, ao longo dos séculos, tratou de garantir conforto e segurança para uma pequena parcela da sociedade e que jogou a maioria da população para encostas, várzeas e, no caso das habitações sobre palafitas, até para dentro d'água.

A reconstrução de cidades gaúchas e de tantas áreas de Porto Alegre tem que se transformar num grande laboratório para a efetivação de mudanças na maneira com que encaramos nossas cidades. A mudança climática tem assim um efeito educativo, mostra que nem mesmo os mais abastados conseguirão manter todos os seus privilégios diante de uma crise que afeta todo mundo.

As cenas que nos assombram todos os dias provam que será necessário fazer mudanças radicais na forma de uso de áreas rurais e urbanas. Terras hoje ocupadas pela agricultura de larga escala terão que ser devolvidas para a natureza, a mata nativa é essencial para absorver água e para evitar o assoreamento dos rios.

A mudança de paradigmas também tem que chegar às cidades, que, ao longo do tempo, passaram por um processo de impermeabilização de solos e de estrangulamento dos rios, casos ainda mais evidentes em São Paulo, Rio e Belo Horizonte. 

Inspirado em bem-sucedidas experiências no exterior e, mesmo no Brasil (Estação das Docas, em Belém), o projeto do Cais Mauá, em Porto Alegre, terá que ser repensado, adequado a uma realidade que exige uma quantidade maior de áreas verdes e mecanismos de proteção — mais do que lutar contra a água, nossas cidades precisam aprender a conviver com um fenômeno natural. 

Não vai ser fácil, nosso passado indica a tendência de que a recuperação gaúcha siga os mesmos caminhos de sempre, que reafirmam a exclusão dos mais pobres e os ataques à natureza. Cabe à sociedade pressionar para que haja uma mudança de rumos.

É importante prestar atenção nas boiadas que continuam a passar pelo Congresso e cobrar medidas concretas dos candidatos e dos futuros prefeitos e vereadores. Abalado por uma desgraça, o Rio Grande do Sul tem a grande chance de servir de exemplo para o resto do país.