Ao afirmar que priorizou o ajuste fiscal do estado e deixou passar alertas sobre riscos de enchentes, o governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), mostrou o tamanho do seu erro.
É compreensível a dificuldade que enfrentou ao assumir um Estado que, como frisou na entrevista à Folha de S.Paulo, não tinha dinheiro para pagar salários e manter hospitais abertos. Mas os custos humanos gerados pela tragédia são irreversíveis e a fortuna que será gasta na reconstrução do Rio Grande do Sul ressaltam que o problema não poderia ter sido ignorado.
Leite não pecou apenas pela imobilidade. Ainda em seu primeiro mandato, encaminhou e tratou de fazer com que a Assembleia Legislativa aprovasse rapidamente projeto que, transformado em lei, mudou 480 itens do Código Ambiental estadual.
Houve, entre outros pontos, estabelecimento para facilidades de concessão de licenças ambientais e liberação para construção de barragens em áreas de preservação. O então procurador-geral da República, Augusto Aras, ingressou no Supremo Tribunal Federal com ação em que pede declaração de inconstitucionalidade de artigos da lei.
Houve falhas evidentes da prefeitura de Porto Alegre na manutenção e operação do sistema contra as cheias, ainda é cedo para dizer que as mudanças no código tiveram efeito significativo no agravamento da calamidade. Mas o governador reforçou a lógica dos que trabalham contra a tomada de atitudes capazes de minimizar as consequências de danos ambientais.
O que ocorre no Rio Grande do Sul precisa ser visto como um alerta; é como se alguém nos avisasse que não dá pra dirigir em alta velocidade um carro sem freios numa estrada cheia de curvas. Boa parte da sociedade não pode continuar a tratar o aquecimento global como uma questão de fé, algo em que possa acreditar ou não.
Quem diz não crer no aumento da temperatura do planeta em consequência de tantas agressões feitas pela humanidade não poderia também confiar nos antibióticos, nos aviões, no telefone celular, nas viagens à Lua — tudo isso é consequência do trabalho de cientistas.
É óbvio que é possível apresentar questionamentos à ciência, muitas vezes usada para legitimar preconceitos e formas de dominação. Mas o aquecimento global não é uma tese, uma digressão, uma conversa de mesa de bar, trata-se de um fenômeno devidamente constatado e provado.
Países pobres têm todo o direito de cobrar compensações ambientais e financeiras dos ricos, que, afinal, são os principais responsáveis pelas mudanças climáticas. O custo, por exemplo, da preservação da Amazônia precisa ser compartilhado com as nações desenvolvidas que praticamente arrasaram com suas florestas.
Mas não podemos ceder a uma infatilidade do tipo "Você não cuidou do seu ambiente, não vou cuidar do meu". Essa seria uma postura suicida, que num prazo não muito longo tornaria ainda mais difícil a vida por aqui. Não é razoável que lideranças do agronegócio continuem a defender uma lógica expansionista que, no limite, acabará com sua própria riqueza.
Representante de setores mais conservadores do eleitorado gaúcho, Leite foi legitimamente eleito, tem o direito de propor políticas mais compatíveis com o ponto de vista de quem o elegeu. Mas não pode insistir no erro, na defesa de princípios negacionistas — até porque a conta da destruição acabará sendo paga por todos. Precisa propor a revisão do Código Ambiental que tantou modificou, tem que liderar um movimento de recuperação de matas que implique na redução de áreas agrícolas, nao pode ignorar a necessidade de revitalização de rios e banhados. É sua chance de não se afogar na história.